Estudar literatura formalmente me coloca em constantes imbróglios. A cada texto de teoria literária que leio, sinto as margens de um livro se alargarem. De outra sorte, também saio de algumas aulas mais confusa do que quando entrei. Por vezes <me arrependo> desta empreitada de aprendiz das Letras. É conflitante: ao mesmo tempo ter vontade de mergulhar profundamente nos livros e ao mesmo tempo sustentar o fôlego – o desejo! – de me construir escritora. Tem sido, no mínimo, puxado.
Estou nas primeiras semanas do quarto semestre da graduação em Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Já escrevi sobre isso aqui na newsletter e costumo misturar o assunto com outras coisas que escrevo através das pinceladas sobre essa jornada – que é divertidamente difícil. As edições extra – e pagas – da newsletter são produtos dos meus estudos e você pode ter um gostinho aqui. Em 2024/2, são quatro cursos obrigatórios na habilitação em Português: Morfologia, Introdução ao Latim II, Literatura Brasileira II e Literatura Portuguesa II. Além disso, faço Língua Espanhola II, minha outra habilitação e também uma disciplina optativa em Estudos Tradutológicos.
Todo começo de semestre é uma grande animação, que infelizmente vai esmorecendo ao longo dos meses por motivos variados, mas o principal é mesmo o capitalismo vencendo e esmagando todos nós. Estudar, trabalhar, ter vida social, cuidar de casa, cuidar das relações pessoais e ainda tentar descansar é humanamente impossível. Por aqui, equilibro os pratinhos desequilibrada, porém tentando, sempre que dá, dançar e fazer graça dos absurdos da vida. Além de, é claro, enfiar as caras na ficção, minha dissociação favorita.
Na última terça, tive uma interessante aula de Literatura Portuguesa. Chegamos finalmente à era dos Romances, um alívio pra quem passou a maior parte do semestre passado estudando Os Lusíadas. Nesta semana revisitamos Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco, uma obra do século XIX que influenciou bastante autores brasileiros como por exemplo, nosso querido Machado de Assis. Camilo era um autor prolífico, dentre romances e narrativas ficcionais podemos contar cerca de 60 obras, escritas ao longo de cinquenta anos, entre 1848 e 1886. Por sua vasta produção, diferente do que podemos imaginar, ele não era bem visto pela crítica literária portuguesa. Em livros que se dedicam a organizar a história crítica da literatura portuguesa, o autor fica perdido sem uma classificação exata entre os romancistas da época, ao contrário de outros muito celebrados como Eça de Queiroz e Alexandre Herculano. Camilo era considerado um escritor de segunda categoria por sua quantidade de produção e também por seus romances não trazerem exatamente uma <proposta> para a sociedade portuguesa. Vale ressaltar que Camilo era escritor por profissão, ou seja, a literatura era o seu sustento.
Também outro autor português foi durante anos criticado duramente pelos teóricos literários: José Saramago. O grande número de obras, assim como a diversidade de gêneros de suas publicações não era vista com bons olhos para os estudiosos da área – perspectiva que muda após ser laureado com os prêmios Camões (1995) e o Nobel de Literatura (1998). Saber desses bastidores, dessas fofoquinhas acadêmicas me trouxe calma, como um lembrete do perigo que pode ser viver (e trabalhar) apenas buscando agradar. Este caminho pode ser sedutor e te vender ilusões quanto ao sucesso, a fama e até a qualidade e pertinência do que você está fazendo. Histórias como essas me dizem que o afastamento daquilo que faz, em primeiro lugar, sentido pra mim, é direcionar meus projetos para o seu fim. Não é possível se eximir de críticas e claro que muitas delas impulsionam e fazem crescer. Mas nem tudo que reluz é ouro e nem tudo que balança, cai.
Seguindo na aula sobre Amor de Perdição, aprendo que esta novela tem pitadas de inspiração diretamente da mais famosa obra de outro grande autor: Romeu e Julieta de William Shakespeare. Em outro curso, desta vez Literatura Brasileira, descubro que nas obras de Guimarães Rosa encontraremos muitas referências aos clássicos antigos, gregos, latinos, e mesmo da bíblia. Em A hora e vez de Augusto Matraga, é evidente a relação entre o arco da personagem de nhô Augusto – que vira Matraga – com as histórias sobre a feitura dos santos cristãos. Essas inspirações, contudo, não são de forma alguma um simples copia e cola de fórmulas literárias, mas o uso da própria literatura como semente que se desenvolve e cresce como árvore singular em cada uma dessas obras. É no esmiuçar do Amor de Perdição que encontramos o Camilo, sarcástico, gozador e esperto, sobre uma história que é e não é sobre amor. É ao destrinchar as simbologias da novela de Guimarães que Augusto Matraga nos conta também sobre a história do Brasil. No encontro da crítica com a literatura podemos navegar com mais coragem nessas histórias, fazer paragens para mergulhos de apnéia e, acima de tudo, observar o horizonte alargando suas margens.
E por falar em romance, em setembro a Editora Fósforo tem um lançamento que me deixou interessadíssima, principalmente pelo fato de que o autor é doutor em Literatura brasileira. Oscar Nakasato nasceu em Maringá, Paraná, em 1963. É professor na Universidade Tecnológica Federal do Paraná e autor da tese Imagens da integração e da dualidade: personagens nipo-brasileiros na ficção (Blucher, 2010). Seu romance de estreia Nihonjin ganhou o prêmio Benvirá de Literatura (2011), o prêmio literário Nikkei — Bunkyo de São Paulo (2011) e o Jabuti na categoria romance (2012). Foi colaborador do caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo, com resenhas críticas acerca da literatura japonesa.
“Terceiro romance do escritor paranaense e vencedor do Jabuti Oscar Nakasato, Ojiichan, que em japonês significa “vovô”, retrata a vida de Satoshi a partir do seu aniversário de setenta anos. A aposentadoria compulsória do colégio onde ele lecionou por décadas é o primeiro dos eventos que o obrigam a confrontar as muitas faces da velhice. Seus colegas preparam uma festa de despedida e os alunos, que carinhosamente o apelidaram de Satossauro, prestam homenagem ao professor. Preocupados em celebrar o merecido descanso após uma vida de trabalho, ninguém ao redor parece enxergar a dor de Satoshi em deixar a rotina e dar início a uma nova fase.
Em casa, as coisas não estão muito melhores. A perda de memória de Kimiko, sua esposa, vai se agravando, e os cuidados com ela recaem sobre ele, sobretudo depois que uma tragédia acomete a filha do casal. Com o outro filho vivendo no Japão e o neto ausente, Satoshi experimenta, de modo estoico, os primeiros sinais da solidão, que só pioram quando ele é obrigado a se mudar para um apartamento menor e se despedir de Peri, seu cachorro.
No novo prédio onde passa a morar, a solidão de Satoshi dá as mãos à de d. Estela e Altair, seus vizinhos, cuja história de vida o protagonista descobre aos poucos. Com a coragem de representar o desamparo em toda sua crueldade, porém avesso a melodramas, Oscar Nakasato toca em pontos sensíveis da sociedade brasileira e provoca a reflexão ao desafiar o final trágico que parece se anunciar: quando Satoshi contrata Akemi como cuidadora de sua esposa, sua vida particular ganha novos contornos e a configuração do cotidiano e da família se alteram de modo inusitado.
Em sua prosa a um só tempo austera e atenta aos detalhes, tão característica da cultura japonesa na qual Nakasato cresceu, Ojiichanmostra que a terceira idade não é a linha de chegada, mas um caminho a ser trilhado, e transborda a beleza e a serenidade necessárias a um mundo ocidental de supervalorização da juventude e da velocidade.”
(Bio do autor e texto de divulgação da newsletter da própria editora)
Drops:
Amor de Perdição em filme
Se quiser ler, Amor de Perdição em PDF
Ambiente virtual do professor Paulo Motta, aberto para o público, com textos diversos
Uma minibio em animação do Camilo Castelo Branco
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Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Interessante essa plataforma pros materiais de aula. Poupa a famigerada viagem à xerox, né? E muito legal ser aberto tbm, dei uma olhadinha no esquema da história da Europa e de Portugal e já aprendi coisas novas, obrigada por partilhar.
Paula, sabe que meu sonho era estudar letras. Quem sabe um dia eu realizo :)