Esse é um aperitivo da nova versão das edições pagas. Em 2023, os envios extras e exclusivos eram entrevistas com pessoas escritoras da newslettersfera, no suplemento Caderno de Perguntas, em referência à brincadeira pré-adolescente. As edições continuam disponíveis no arquivo que devo para o público geral em breve. Decidi propor essa nova versão seguindo uma ideia que tenho desde o começo da graduação em Letras. Quero dividir meu aprendizado com vocês, trazendo pequenas lições de Português e curiosidades do mundo da literatura, linguística e afins. A edição extra para apoiadores será uma vez por mês, a partir do final de março, e custa apenas R$7 mensais ou com desconto no plano anual. Considere a assinatura paga :)
Neste fevereiro, teve início o ano II da graduação. Na Universidade de São Paulo, esse é o momento em que começo a segunda habilitação – pois não optei ficar apenas com Letras – Português. São dezesseis opções de formação, incluindo o único curso público e gratuito de coreano na América Latina. Para ingresso na habilitação escolhida, é realizado o temido ranqueamento, uma espécie de segundo vestibular interno, baseado no coeficiente de rendimento – um cálculo sobre as notas obtidas no primeiro ano da faculdade, o Ciclo Básico. Neste ciclo inicial, tivemos apenas quatro disciplinas, divididas em duas partes (uma em cada semestre): Introdução aos Estudos da Língua Portuguesa; Introdução aos Estudos Clássicos; Elementos de Linguística e Introdução aos Estudos Literários. Durante o primeiro ano, me apaixonei pela literatura clássica – algo que nem imaginava; fiquei animada em começar a estudar crítica literária e gostei de aprender fonética e fonologia, mesmo com as dificuldades de uma iniciante.
Em 2024/1, tenho as seguintes disciplinas: Introdução ao Latim; Literatura Portuguesa I; Literatura Brasileira I; Fonética e Fonologia do Português e Língua Espanhola I. Sim, minha segunda habilitação será em Espanhol. Quero aprender melhor o idioma e pesquisar sobre autoras contemporâneas da América Latina. Tradução é algo que também está no meu horizonte, mesmo sabendo que estamos sendo soterrados pelo uso de inteligência artificial. Não foi simples optar por essa habilitação, balancei entre outros caminhos, como o Francês – que já conheço bem e sou apaixonada – e o Grego, a surpresa que estudar Homero me trouxe. Por outro lado, a tranquilidade em saber que posso fazer disciplinas como eletivas nestes cursos me aquietou e marquei o X final no Espanhol. As aulas de língua ainda não começaram, mas as de Português sim, e o que segue é o aperitivo que comentei. Espero que gostem.
Em Literatura Portuguesa, o professor Paulo Fernando Motta trouxe um panorama da história da formação de Portugal enquanto país, muitos detalhes não aprendemos no currículo do colégio – o que particularmente não acho ruim, visto que precisamos no Ensino Básico é de um revisionismo histórico da nossa maneira de aprender a história da formação do Brasil (ou talvez simplesmente exigir a permanência do ensino de História como matéria obrigatória nos currículos escolares). Voltando: o que me chamou atenção nesta primeira aula foi o tom de fofoca sobre duas personagens importantes na formação de Portugal: Viriato e Inês de Castro.
Viriato foi um líder na Lusitânia nos tempos antes de Cristo, que, de acordo com histórias recontadas ao longo de séculos, foi crucial na defesa do território contra a expansão românica em meados do século II a.C, nas chamadas Guerras Lusitânicas. Até aí, nada demais, certo? O fato curioso que aprendi na aula foi que Viriato possui um poema dedicado aos seus feitos, escrito por Fernando Pessoa no livro Mensagem. Esta obra de Pessoa faz referência direta ao passado de Portugal, e, sobretudo a outra obra literária: Os Lusíadas de Luís de Camões. Na disciplina irei estudar este livro de Camões e outras obras correlatas. Prevejo um tanto de ranço (!) e um tanto de assentamento nas compreensões de nossa herança colonial. Veremos.
Sobre a outra personagem, Inês de Castro: foi uma nobre galega e rainha póstuma de Portugal, que viveu no séc XIV e foi assassinada a mando do pai de D. Pedro I, de quem era amante. Inês também comparece na obra camoniana, nas estrofes 120 a 135 do Canto III d’Os Lusíadas. De origem ilegítima, Inês não era aceita por D. Afonso IV como companheira de D. Pedro I – há boatos de que eles se casaram em segredo – e na confusa briga na linha de sucessão do trono português, foi executada em janeiro de 1355, enquanto seu amado D. Pedro I se ausenta de Santa Clara, onde moravam. Há uma lenda contada em Portugal que “as lágrimas derramadas no rio Mondego pela morte de Inês teriam criado a Fonte das Lágrimas da Quinta das Lágrimas, e algumas algas avermelhadas que ali crescem seriam o seu sangue derramado”. Para ler sobre o episódio de sua morte, leia o conto Teorema de Herberto Helder.
Mudando para assuntos mais pragmáticos, em Fonética e Fonologia do Português, descobri um projeto muito interessante. A professora Flaviane Fernandes em parceria com o também professor Marcelo Finger e pesquisadores de diversas áreas, da computação à medicina, integram o projeto SPIRA: Sistema de Detecção Precoce de Insuficiência Respiratória por meio de Análise de Áudio. O SPIRA utiliza inteligência artificial e compara vozes de pessoas infectadas pelo vírus da covid-19 com as de indivíduos saudáveis e foi organizado em consequência da pandemia do coronavírus em 2020. Flaviane é pesquisadora e especialista em Linguística, docente na área de Filologia e Língua portuguesa. Seu interesse é principalmente na prosódia, que é a parte da gramática que se dedica às características da emissão dos sons da fala, como o acento e a entoação. Esta pesquisa com o SPIRA conseguiu compreender que pessoas acometidas pela covid-19 tinham uma prosódia diferente das pessoas não doentes. Por exemplo: as pausas na fala acontecem de maneira irregular em pessoas doentes, diferentemente das pausas naturais, que apresentam um padrão gramatical muito parecido em toda a população falante do português brasileiro. Simplesmente magnífico!
Por último e não menos importante, pude acompanhar uma aula inaugural de Épica Grega com a professora Giuliana Ragusa. Não estou matriculada e infelizmente não conseguirei assistir como ouvinte, mas já anotei a disciplina como desejo pros próximos semestres. O conteúdo deste curso será a leitura das obras Ilíada e Odisseia de Homero, clássicos que ecoam até hoje nos diversos campos das artes. Tive a oportunidade de apreciar tais obras no ano passado, na primeira parte de Introdução aos Estudos Clássicos, que cursei com o professor Marcos Martinho. A Ilíada e a Odisseia são poemas épicos, compostos em média por 14 mil versos e que narram eventos diferentes, de maneiras diferentes. Na Ilíada, temos o caráter trágico com a ira de Aquiles e a guerra de Tróia. Na Odisseia, o caráter é de aventura e em alguns momentos também cômico, sobre o retorno de Odisseu para sua terra natal, Ítaca.
Ambos poemas têm versos que são hexâmetros dactílicos, isto é, possuem seis sílabas poéticas e tem ritmo que se organiza da seguinte forma: três vezes – uma sílaba longa, duas sílabas curtas – seguidas de uma ou duas sílabas longas. Para quem não está acostumado com a rítmica na poesia, essa definição parece esquisita (para mim também era). Contudo, vale um lembrete importante, principalmente no que tange às obras épicas da Antiguidade: estes poemas foram compostos na tradição oral e eram recitados pelos aedos, os cantores de epopéias. A versão escrita dessas obras é muito posterior à sua criação e isso inclusive é motivo de versões, interpretações e embates até hoje. As poesias épicas gregas foram compostas para serem cantadas. Logo, o que fazemos hoje ao ler essas obras, é anacrônico – e tá tudo bem. Caso tenha curiosidade sobre o tema, a referência revolucionária nestes estudos é Milman Parry, classicista estadunidense que pesquisou as marcas de oralidade nas obras de Homero. Se depois dessa degustação sentir vontade de ler as obras gregas mas tem medo de ficar perdida, se acalme! Deixo a indicação do livro comentado em sala (Homero, de Barbara Graziosi) e também o spoiler que a própria professora lançará em breve o seu guia para ler a Ilíada pela editora Mnema.
Outros links interessantes:
Fonética e Fonologia, um site dedicado ao tema, por Thaïs Cristófaro Silva
Deu curiosidade sobre o que é um hexâmetro dactílico na prática? Veja e ouça!
Dois artigos sobre Homero: O Olhar de Ulisses e A arte de Homero e o historiador: observações introdutórias
Aulas de grego antigo on-line pela UFRGS
Por hoje terminamos a degustação. Espero que o gostinho tenha aberto seu apetite e que você possa pensar sobre o apoio pago à newsletter. Semana que vem retomamos à programação normal.
Drops:
Estou dando aulas particulares para quem quer começar uma newsletter. Informações por e-mail: oi.pmescreve@gmail.com
Em março, no Clube do Livro Quem Quer Ler, leremos As coisas que perdemos no fogo, de Mariana Enriquez. Informações e inscrições aqui.
- e a dificuldade de autoras no eterno <divulgar-se>
- superando um bloqueio criativo
Esta newsletter é revisada pela jornalista e poeta Luiza Leite Ferreira
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Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Oi Paula, adorei essa news! Incrível o projeto sobre covid!! Sou totalmente turista nesse campo, mas gosto muito do que ouço e leio sobre linguística. E sobre Homero, coincidência: acabei de ler a Odisseia e escrevi a respeito aqui: https://tremdasonze.substack.com/p/viando-com-o-errante-navegante. Tô muito animada com esse percurso dos clássicos! Se puder, compartilha mais do que vc achou da leitura de Ilíada e Odisséia? Beijos!
esse texto me deu vontade de voltar correndo para os bancos da faculdade… um dia ainda faço letras!