Oi!
Hoje resolvi mudar a cara da newsletter. Deve ser porque começa junho, o mês do meu aniversário, também conhecido como mês-que-sempre-tenho-siricutico-de-cortar-o-cabelo. Enquanto não consigo desapegar da cabeleira, fiz pequenos ajustes dentro das reduzidas possibilidades de customização do Substack.
Nessa edição o texto aparece com uma fonte nova, sem serifas. Longe de mim ser clean girl, mas o chamado para linhas mais retas falou mais alto. Também reorganizei a página inicial da news, destacando textos por assunto. Vou experimentar essa <nova roupa> por um tempo. Depois de ler o papo de hoje, me diz o que achou?
Vivas para o mês de junho e boa leitura!
Na Roma antiga, bilhetes eram enviados numa espécie de tabuinha encerada, onde se escrevia na superfície preparada com cera de abelha, que também era possível de ser “apagada”, espatulando com uma das extremidades da ferramenta de escrita – uma ancestral do lápis de ponteira de borracha, por assim dizer. Aprendi isso essa semana, numa das últimas aulas do curso de Elegia Latina da qual, ironicamente, perdi todas as anotações que fiz no pdf eletrônico. O aplicativo Ilovepdf, que não ironicamente, não deve amar pdfs, sumiu com grande parte do meu acervo de notas do semestre. Me restou chorar bastante depois de um dia horrível vivido nesta última quarta-feira. Recuperei alguma coisa na memória mais fresca da aula sobre o poema “Navio Negreiro”, mas os detalhes, as entrelinhas que são captadas apenas no frescor dos segundos após a fala do professor… Essas se perderam.

Não foram os romanos que inventaram a escrita e essa não é a tecnologia mais antiga de registro que temos, isso você já deve saber. Das andanças, guerras e toda sorte de <toma lá dá cá> da civilização, misturamos técnicas e ferramentas e chegamos aqui, milênios depois, usando alguma coisa muito parecida com aquela que nossos antecessores utilizavam para fofocar, paquerar ou reclamar de um coração partido. “Chorai-me a sorte: infaustas voltam as tabuinhas. / Adversa a letra diz que ela não pode”, reclama Ovídio sobre a recusa da amada ao convite do encontro. A arte de escrever se mistura à arte de viver, inevitavelmente. Inventar a escrita também é inventar a tecnologia que a acompanha. Imiscuídos, ato e objeto são um só, seguem historicamente a serventia de nossas vontades, delírios e fantasias, na perseguição obsessiva em não perder, não esquecer, não morrer.
Contei na última edição que nunca usei uma inteligência artificial. Não posso dizer que sou inexperiente com robôs, pois é inescapável a interação com eles toda vez que tenho de resolver alguma burocracia do provedor da internet e similares. Porém, no que diz respeito a chat gpt e seus parentes, ainda me reservo o prazer do desconhecimento. Não por capricho de uma jovelha millennial cansada de tantas mudanças e nem por julgamento moral, mas pela falta de necessidade tanto de trabalho quanto na vida pessoal. Ainda me sinto muito confortável pesquisando à minha maneira, gastando o tempo que acredito que preciso para compreender as coisas e lançando mão de tecnologias humanas quando preciso de algo que não sei fazer ou não posso – como revisar profissionalmente este texto, por exemplo. Sei que talvez seja uma questão de tempo para que o ineditismo do <chat> seja superado e eu seja obrigada, por qualquer razão da vida, a abrir mão do meu <jeitinho> e abrir uma janelinha com o queridinho do momento. Por agora, evito porque sei que serei alguém diferente. E que minha escrita também será.
Por outro lado, tenho uma fé inabalável de que tecnologias não são, por si só, transformadoras de nossos tempos. O uso delas – aquilo que existe entre o ato e o objeto e que o tornam um – é o que produz movimento em direção ao futuro. Logo, sei que a tecnologia do <chat> não existe sem a tecnologia de quem interage com ele. A escrita é um modo híbrido de representação do mundo, sempre foi, desde os mais arcaicos registros em tabuinhas em Roma ou em papiros egípcios até os dedos nervosos digitando na tela dum celular. Nenhuma técnica existe sem a mágica do encontro do ato com o objeto, esse é um dos meus dogmas preferidos. Mudanças trazem desconfiança e como uma medrosa clássica, me encanto mais dando passos pra trás e desejo uma tabuinha encerada ao invés de me empolgar com o chat. Em parte porque já sei onde o-uso-de-uma-tabuinha-vai-dar, claro. É muito mais fácil seguir um caminho pavimentado e sinalizado, é confortável. Em parte é também porque o não-saber-onde-vamos-parar seja um tanto mais perigoso em tempos de big techs e bilionários desprezíveis. Seja como for, mudanças têm seus próprios dogmas e diferente de religiões, não são facultativas por muito tempo. Ainda que sigam em tangente, são inexoráveis.
Enquanto me encanto com Ovídio e seus versos de amor e luxúria, sigo fermentando ideias no caderno & caneta, no tablet, no celular. A tecnologia é a escrita, o suporte é a ferramenta. Por enquanto, essa é a reza que me completa, o ritual que prefiro acreditar.
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Drops
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Escrita é tecnologia
Tabuinhas de escrita
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paulamaria
Oieee
Adorei o texto, o novo formato só verei amanhã, devidamente instalada na frente do computador - mas depois te conto o que achei!
E que pena perder tantas anotações... =/
"A tecnologia é a escrita"!!!!💜🌼