Essa é uma edição especial. Agora, toda segunda semana do mês o convite é para pensarmos nestes verbos. Você também está convidada a escrever sobre! Caso anime, me envie ou marque na publicação.
Ler
Estou quase batendo a meta de leitura do ano. No final de 2023 comecei a traçar planos e objetivos de 2024, observando para que essa lista fosse possível de ser cumprida (minimamente). Pelo caminho, as rotas podem ser ajustadas e as metas dobradas ou triplicadas, é que prefiro começar <conservadora>. A meta de cinquenta livros contudo, não seguiu este usual conservadorismo. Na ânsia por organizar leituras e filmes, introduzi na rotina o uso de aplicativos como Goodreads e Letterbox. Já tinha conta anteriormente, porém sempre achei difícil engajar em aplicativos de registro, meu negócio é mesmo o papel e a caneta. Em 2023, utilizei as páginas especiais da Agenda da Todavia que permitem registrar livros, filmes e exposições. Este ano estou novamente com essa agenda (graças a
), onde registro compromissos diversos e datas importantes. Os livros e filmes foram guardados nos devidos aplicativos até o mês de Abril, quando passei por um grande abalo pessoal e me vi obrigada a recalcular a rota. As leituras e filmes continuaram comigo, afinal de contas nem sei quem eu seria sem eles, porém o registro ficou meio que pra nunca mais. Não consigo lembrar e não anotei. As leituras podem ser recuperadas com fotos e registros de storys, que faço sem muito esforço, e em algum momento pretendo retomar essa organização.Conto isso tudo para dizer que apesar da meta ousada, apesar da vida ter me virado ao avesso, estou quase chegando aos cinquenta livros lidos em 2024. Vale registrar que encaro o hábito da leitura com disciplina, como um exercício mental e físico. Para tal feito, preciso encontrar brechas na rotina, como por exemplo, ter sempre um livro na bolsa - uma maneira de evitar rolar o celular. Ao invés de buscar a dopamina das redes sociais, tento ler duas ou cinco páginas… Também organizo as leituras experimentando diferentes tipos de livro, porque nem sempre o próximo da pilha é o mais interessante no meu momento. Gosto de intercalar romances, poesia, não ficção, livros gringos, livros brasileiros, antigos e contemporâneos… Ler é uma atividade em constante mudança, sendo assim, minha persona-leitora está também sujeita às mudanças. Ler cinco ou cinquenta livros não me faz mais ou menos leitora, mas é animador me aproximar de um objetivo e devo admitir que estou orgulhosa comigo mesma. Quero dizer que, independente do tamanho da meta, do registro das atividades ou do ritmo que você consegue ler, o mais importante é seguir na companhia dos livros. Mantenha-os bem pertinho.
Escrever
É mais uma vez o mês dez do ano, ou seja, tempo de Literoutubro. Estamos na terceira edição da empreitada e em 2024 inventamos (eu e
), um pouco mais de moda porque estamos constantemente na busca de (mais) sarna pra nos coçar. Adicionada à proposta coletiva do desafio de escrever todos os dias durante o mês de outubro, elaboramos o convite de um grupo para trocar ideias, inquietações e compartilhar os textos durante o mês. Este grupo também publicará uma revista (online e física) que reunirá textos escolhidos por nós, os editores (CHIC!). A ideia de desafios de escrita me conecta com pequenas comunidades on-line desde 2020, quando fomos obrigados a transformar nossa vida <real> em, definitivamente, <virtual> - pelo menos por dois anos. Com Lisandro, parceiro da e também de outras iniciativas literárias, sinto que a escrita ganhou outro espaço, tomou conta do meu corpo e tem me feito, cada dia mais, uma escritora - independente do formato do texto, da publicação, dos eventos.Estamos no primeiro terço da aventura do Literoutubro e ainda dá tempo de participar. Caso se interesse em se juntar ao grupo, escreva pra gente (extoranja@gmail.com). As participações gerais também são mais do que bem vindas, tenho tentado ler todos os dias as postagens que marcam nosso perfil do Instagram. De qualquer maneira, deixo esse convite permanente para que você se provoque e se desafie a escrever. O fim já é o meio.
Se mexer
Para ler e escrever é preciso habitar o corpo. Ainda que não pareçam exercícios físicos, sem a intenção de corpo presente é impossível realizar essas ações. Não gosto da ideia de ler ou escreve <enquanto> faço outra coisa, digo, outra tarefa. Claro que, por exemplo, aproveito as jornadas diárias de ônibus para realizar leituras e também escrevo com frequência no metrô ou durante uma aula meio chata. Isso quer dizer que existe uma escolha consciente em fazer uma coisa e não outra: escrever e não prestar atenção na aula, ler e não olhar a cidade pela janela. Escolho afim de treinar meu corpo ao mergulho de apneia. Em tempos de economia da atenção, zanzar <sem foco> parece ser mandatório e as consequências não são apenas <mentais>. Lembre-se: quem pensa é o corpo.
Em outro texto da newsletter, enviado há alguns meses, entrevistei por e-mail algumas pessoas e pedi para que comentassem sua relação com o exercício físico e a escrita. A imagem da pessoa intelectual e sedentária é muito forte, como se quem escreve não precisasse se importar com coisas tão mundanas e superficiais, como seus corpos. Talvez para uma grande parcela dessas pessoas isso seja um fato, mas se pensarmos, por exemplo, que muita gente que se imbui da tarefa de escrever também faz parte da classe trabalhadora, o corpo é ferramenta inescapável. Mente e corpo não funcionam separados - isso é papo pra outro dia, mas fique com a ideia.
Também contei naquela edição como entrei <nesse negócio da corrida>. Faz mais de dez anos, com muitas fases. Há cerca de um ano resolvi retomar a prática com treinos estruturados e com a vontade de participar de provas, coisa que nunca tinha feito anteriormente. Desde então, concilio a corrida entre academia e rua, entre dias de ar tenebroso e dias frescos e convidativos para quilômetros a mais. Correr não é o esporte mais seguro quando quem corre é uma mulher - a ousadia de habitar meu corpo e este de habitar a cidade parece afrontosa demais para a misonigia. Mesmo assim, sigo na teimosia, característica que me apego para quase tudo nessa vida, e busco forças no esporte que parece solitário à primeira vista e se prova o contrário quando você se entrega.
Esse sentimento de coletividade é o mais marcante nas provas de rua. Ainda não tive uma experiência que não me emocionasse, que não me tirasse pelo menos meia dúzia de lágrimas. Na primeira prova que participei, em dezembro de 2023, atravessei a linha de chegada dos cinco quilômetros tremendo de felicidade, de olhos encharcados e sorriso largo. Comemorei, sem ter planejado, cinco anos de uma das mais importantes decisões da minha vida. Comemorei ter escolhido viver e estava ali, viva. Podia sentir cada parte de mim dizendo: eu estou viva - no repeat. E, desde então, é como me sinto, a cada linha de chegada atravessada. Foram mais três corridas e quero contar da última, que teve uma camada especial.
Em 29 de setembro de 2024, duas semanas atrás, ocorreu a Maratona Internacional de Porto Alegre. Inicialmente programada para o mês de junho, devido à tragédia das enchentes que arrasaram o estado do Rio Grande do Sul, o evento foi remarcado para setembro. Sem saber como a situação do estado e da cidade estaria meses depois, a organização decidiu manter uma data. Acredito que a manutenção foi importante, como se o objetivo à frente também desse forças para a reconstrução da cidade e do estado. Como se desse esperança para dias melhores, em meio ao caos e a tristeza que os gaúchos lidaram entre meses de maio e junho, principalmente. Naquele meio tempo, também sofri um abalo inestimável, perdi minha prima-irmã e passo desde então, por uma reconstrução pessoal. Mantive a viagem para correr cinco quilômetros no evento, que também foi a primeira maratona do meu companheiro. Ter esse objetivo me empurrou, à sua maneira, para o futuro. Eu que estava pensando impossível pensar em qualquer coisa que não fosse o passado, pois o presente era duro demais e o futuro não me dizia nada. Deixei marcado no calendário de parede, remarcamos as passagens, segui - nem sei como - as corridas semanais de acordo com aplicativo da treinadora. Eis que o tempo passou e setembro, sua primavera e dias menos dolorosos, finalmente chegaram.
Corri no sábado pela manhã, dia 28/10. Chegamos no dia anterior no aeroporto de Caxias do Sul e de lá dirigimos para Porto Alegre. Pelo caminho, os rastros das chuvas de abril: encostas deslizadas, estradas reconstruídas, margens de rio assoreadas, e elas: as marcas de lama na parede das casas, mostrando assustadoramente, até onde a água subiu. Lembrei do <água até aqui> e engoli seco todas as vezes que meus olhos encontravam a linha marrom. Ao escrever isso agora, me vertem incontroláveis lágrimas. Sigo escrevendo. Chegamos em Porto Alegre, a recepção do hotel foi alegre e o coração relaxou. Mais tarde encontrei com um dos meus melhores amigos para uma pizza e andamos um pouco pela cidade que já havia adorado em visita anterior. Dormi acalentada, amizade é uma forma de esperança. Na corrida do dia seguinte, fiz meu melhor tempo nos cinco quilômetros e cheguei gargalhando de alegria. Dessa vez, o choro veio leve. Era hora de comemorar, almoço no Mercado Central com amigos e yakissoba. Depois, passear e descansar. A maratona nos aguardava no domingo.
Acordar de madrugada é costume do corredor amador. Na noite anterior, é bom dormir cedo, jantar uma quantidade interessante de macarrão (preparando estoque de carboidratos) e organizar a roupa e acessórios para não esquecer de nada ao acordar meio sonolento. Levantamos às quatro da madrugada e, ainda com olhos inchados tomamos café. Enquanto Fábio se arrumava, preparei minha mochila para esperá-lo nas tendas do evento, levei casaco e um livro - ambos foram ótimos companheiros nas quase quatro horas de espera. Chegamos no local da largada com ônibus que saía do hotel e em meia hora estávamos na espera. Corredores e corredoras de muitos lugares do Brasil e América Latina iam chegando aos poucos, com frio e ansiedade. Quarenta e dois quilômetros e centro e vinte e cinco metros não é pra qualquer um. Era chegada a hora.
Levei Fábio até a baia da sua velocidade (são separados pelotões, os mais rápidos saem primeiro). Logo após me despedir e fazer um registro em vídeo, chorei. Chorei muito, sem entender o porquê. Corri para a largada e olhava com muito carinho para aquelas pessoas. Senti uma conexão profunda, algo quentinho e confortável, muito humano. Não pensei muito sobre o assunto, estive presente, deixei meu corpo olhar, chorar, estar ali. Minutos depois, voltei para a arena do evento, encontrei uma poltroninha de ar, me aconcheguei e passei duas horas com Camilo Castelo Branco e o trágico Amor de Perdição. Olhava para os lados e todas as outras pessoas estavam ao celular. Lamentei, mas não perdi tempo julgando. A escolha de levar o livro me fez feliz. Se Camilo não estivesse ali, o celular seria o meu companheiro.
Quando bateu fome, resolvi andar pela arena e visitar o ponto de encontro. Por lá, tomei café e comi bolo, coisas que instantaneamente restauram a vontade de viver. Percebi que o tempo passou até rápido e já poderia caçar um espaço na linha de chegada. Por sorte, encontrei espaço do meu tamanho certinho, ao lado de duas famílias que esperavam seus filhos, e, assim como eu, estavam animadas e nervosas. Acompanhava o deslocamento do Fábio pelo aplicativo do GPS e lá pelo quilômetro 38, o sinal se perdeu. Foram os 4km mais longos da minha vida, muitas coisas se passavam pela minha cabeça. Afinal, via como as pessoas se aproximavam do final: muitas passam mal, caem, desmaiam. E outras chegam animadas, felizes, correndo de costas (juro!). Impossível conter as lágrimas. Chorei mais uma vez… Até ver Fábio passar e as lágrimas estancaram. Uma explosão de alegria e orgulho. O que sentia ao gritar pelas pessoas que passaram antes agora era também um pouco mais meu: conseguimos.
Revisitar Porto Alegre e participar dessa grande comemoração na Maratona foi um marco muito importante de 2024. Com ela, fechei uma fase de meses introspectivos, automáticos, entupidos de tarefas a cumprir e pouco espaço de respiro. Correr nas ruas de uma cidade em reconstrução era a metáfora necessária para este corpo que deseja recalcular suas rotas. O tom deste texto é mais pessoal do que estava tentando imprimir na newsletter, mas senti que era necessário costurar as vias de ler, escrever e correr através de mim, dessa que lê, escreve e corre (e chora).
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Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Que BELO texto! E lindo relato da corrida. Obrigada por compartilhar!
Paula, que lindo! Me emocionei aqui 💛