Na carta de hoje, um texto curto de ficção, do Literoutubro de 2022. Para quem não sabe, escrevo com o
uma newsletter sobre exercícios de criatividade, a . O texto que segue foi disparado pela palavra do dia seis do desafio.“A senhora bule com meu juízo, Dona Candinha”, sussurra do quintal uma voz macia. Ouvi passando pelo corredor e não tive coragem de tentar ver quem era. Fingi limpar os porta-retratos da cristaleira e tomei um susto quando, de um dos quartos, Seu Daniel apareceu indo tomar café. “Tomou susto, Dona Edna?”, “Não, não senhor”, respondi disfarçando o peito acelerado igual cavalo no pasto.
Passei o dia lembrando aquele sussurro charmoso nas primeiras horas de sol. Queria saber o rosto da voz aveludada que se derretia pros lado da minha patroa. Não é de minha conta saber com quem ela se chamega ou deixa de chamegar, longe de mim ser fuxiqueira da vida dos patrão… Mas é que Dona Candinha é uma mulher que admiro por demais, das viúvas mais respeitadas da cidade, famosa médica e parteira, merece um homem decente. Longe de mim falar mal da patroa, cê não me entenda mal. É que… Foi aquela voz, sabe? A voz me deixou, meio encantada, abestalhada. Num sei explicar esse abobamento, sou mulher bruta, num quero saber de homem nem de romance. Mas a voz mansa que vinha do quintal pegou meu coração de jeito, como só as músicas que ouço baixinho no rádio antes de dormir. Mas…
Deixa de bobagem, Edna! Não lhe interessa a vida da patroa e nem distração besta de romance. Vai tomar um banho frio pra esvaziar essa cabeça! Veja só se pode isso, se encantar pela voz de um desconhecido. Inda fosse moça… Mas sou só uma véia viúva, quase invisível.
Lembrei desse conto hoje cedo, refletindo sobre Glória Maria e nas inseguranças construídas e reforçadas socialmente sobre envelhecer. A vida da Glória nos mostra exatamente o contrário. E que alegria dividir a existência no mesmo espaço tempo que ela. Viva!
Ainda vou escrever uma carta mais longa sobre isso, hoje quis trazer meu lado ficcional que me fez perceber que, mesmo não sendo idosa, ser velha já me parece um assombro, uma medida limitadora, um desaparecimento. É um tema mais recorrente do que eu percebia, inclusive publiquei ano passado um texto na revista Contos de Samsara chamado Envelhecer no Espelho.
Dia 07/02 essa newsletter faz dois anos e as comemorações já começaram:
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Neste mês teremos também um texto temático de carnaval, com pitadas de ficção e realidade. Um bloquinho virtual com outras newsletters queridas. Aguardem!
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Iraruca*
Destino é o nome que damos
à nossa comodidade
à covardia do não risco,
do não-pegar-as-coisas-com-os-dentes.
Quanto à mim,
pátria é o que eu chamo poesia
e todas as sensualidades: vida.
Amor é o que eu chamo mar,
é o que eu chamo água.
- Olga Savary
*do tupi: casa de mel
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um abraço,
paulamaria.
Acabei de ver a sintonia aqui com a Yayoi, inclusive eu amei demais a legenda que vc deu à imagem <3