Oi! Se você é pessoa novata por aqui, responde ao meu censo? Quero conhecer melhor quem me lê. Em modo anônimo e rápido. Desde já, agradeço :)
Nunca fui uma pessoa que gosta de assistir ou fazer vídeos. Minto: eu era muito <de vídeos> na era MTV Brasil, e posso dizer que este singelo canal de tv me educou emocional e esteticamente pelas centenas de horas que passei diante de seus programas, entre os anos 1997-2005. Os videoclipes musicais são ainda hoje uma forma de mídia que gosto muito e grande parte das horas que gasto no Youtube são dedicadas aos clipes divulgados pelas artistas que gosto, videoclipes que fãs montam, apresentações ao vivo e mais recentemente, de discotecagens caseiras gravadas – playlists de altíssima qualidade que não preciso montar. Trouxe a frase de abertura do texto tão categórica porque hoje, diferente do final do século passado, vivemos mergulhados em vídeos, sejam os que a gente registra do nosso cotidiano, sejam aqueles na infinita aba de reels do Instagram ou no Tiktok. Esse formato de mídia, junto com o boom da fotografia, se popularizou com o advento dos telefones celulares com câmera. Alguns formatos me fazem duvidar do nome “vídeo”, pois duram dois ou três segundos, algo que se assemelha mais a um gif – uma imagem animada. Fato é que durante anos resisti à produção destes e agora tenho experimentado “produzir” vídeos no Instagram, na tentativa de chegar em novas pessoas leitoras. Desde já, digo: não está sendo fácil.
Percebo que passo muito mais tempo diante da minitela do celular. Preciso assistir vídeos, educar meu algoritmo para que mostre o <meu> estilo de vídeos – logo, o estilo de vídeos que podem me inspirar e que posso adaptar à minha realidade. É possível salvar os “áudios” que estão na moda ou aqueles que me agradam – geralmente alguma narração que fala coisas bonitas ou engraçadinhas. Tento não cair na armadilha das trends, que ainda não entendi direito o que são. Talvez seja sobre o que está na moda ou “em alta”, para usar a linguagem do Instagram. O que é trend é replicado até a exaustão por alguns dias, então é fácil se deparar com variações do mesmo tema em looping. Me sinto cansada e quando percebo, passei mais de quarenta minutos rolando dedo na tela. Diferentemente de 1998, quando assistia religiosamente ao Disk MTV no final da tarde – e gastava em média uma hora – penso que fui absorvida por um vórtex e que, no final das contas, não capturei nada. Me sinto incapaz, xoxa, capenga, inconsistente.
colagem e desenho, arquivo pessoal, 2022.
Eu já declarei uma meia dúzia de vezes, mas, porque adoro me repetir, repito: sou uma pessoa analógica. Levo o “recortar e colar” à vera e um dos meus passatempos preferidos é juntar papéis aleatórios em composição – sou colagista nas horas vagas. Também gosto de costurar coisas à mão, embora tenha uma máquina e ler livros físicos continua sendo um dos meus maiores prazeres. Na missão de começar a fazer reels é quase inevitável que me sinta incapaz, o funcionamento é contraditório ao meu natural. Me pergunto, no meio do processo, que raios estou fazendo da minha vida e quase jogo o celular pela janela. Como minha vida profissional não depende disso (pelo menos não só disso), respiro fundo e lembro que do mesmo jeito que decidi fazê-los, posso desistir. Ser mais analógica do que digital neste ponto é uma vantagem: posso pesquisar de maneira independente, nas interações orgânicas, nos encontros corpo-a-corpo, nas ruas que tem além de imagens e sons, cheiros. O desespero por novas pessoas me seguindo não pode me consumir. Prometo não sucumbir, não desistir do que é importante e modero meu tempo de tela. Afinal de contas, também tenho zil textos da faculdade para dar conta.
Ao comparar meu tempo de tela <MTV versus reels do Instagram> constato que as referências de moda e comportamento da minha adolescência/juventude estão novamente na moda: estão nas trends. Em alguns momentos, tristemente como em vídeos “melhore o visual de uma millennial” – basicamente tirar uma blusa de dentro da calça, eliminar calças skinny e usar as mesmas bolsas “de suvaco” e sandálias de tira que eu usava para aniversários de 15 anos. Em outras trends, compara-se sinais gestuais entre gerações, como desligar uma chamada telefônica ou fazer uma foto. De repente, me deparo com vídeos de pessoas comuns registrando seus progressos na musculação ou artistas implorando por novos seguidores de maneira <fofa>. Passeando com o dedo na tela, as quase duas horas diárias na exploração de vídeos me rende alguns salvos para replicar a estética e outros áudios para montar com minhas imagens pessoais. É cansativo, mas foi dessa forma o possível, pois não quero me incumbir de mais uma obrigação e, além disso, preciso ter tempo para investir no que importa: a escrita.
Para escrever, às vezes gosto de ouvir música (no momento edito essa news ao som dum show do Massive Attack). Por vezes, procuro ensaios em vídeo e na maioria das vezes uso o fone como bloqueador de ruído, sem música alguma. Porém, dia desses, zapeando pelo Youtube, esbarrei com o incrível canal Antiheroines que produz ensaios visuais sobre artistas mulheres dos anos 1990-2000, além de vídeos sobre cinema. Encantada, assisti sobre PJ Harvey, Tori Amos e minha musa absoluta Fiona Apple. No vídeo sobre esta, conheci a história por trás da música Shameika, que faz parte do último álbum de Fiona, lançado em 2020 e me acompanhou nos tempos horríveis da pandemia. No refrão da música, ouvimos: Shameika said I had potential. Em entrevistas sobre o álbum, Fiona comenta que Shameika não era uma personagem fictícia, embora tivesse dúvidas sobre essa memória infantil, acreditava que essa colega nos tempos de escola não era próxima, mas que em algum momento a tocou quando disse, após um dos ataques de bullying que Fiona sofria: “você não tem que aguentar essas merdas, você tem potencial.”
O disco é lançado após um hiato de oito anos da cantora e foi bastante comentado no meio musical. Rodou portais de música, trouxe Fiona de volta aos holofotes e fez com que ela e Shameika se reencontrassem. O reencontro se deu através da professora que tiveram na terceira série, que enviou uma carta para Shameika durante a pandemia:
Shameika, espero que esta carta te encontre bem durante a quarentena. Eu tinha que te escrever. Você se lembra daquela menina Fiona McAfee? Você dizia a ela para que não ouvisse aquelas valentonas que faziam bullying, dizia que ela tinha potencial. Eu só queria te agradecer por isso. E eu queria que você soubesse que suas palavras proféticas viraram uma querida música com o seu nome…
“Shameika, I hope this letter is finding you safe during quarantine, I had to write you because I don’t know if you remember this girl Fiona McAfee. You told her not to listen to bullies, and that she had potential. I just wanted to say thank you. And I wanted to let you know that your prophetic words have been turned into a beloved song titled your name…”
(tradução livre por mim, tirei o original daqui)
A carta da Sra. Kunhardt conectou as duas colegas de infância. Deu realidade à lembrança preciosa de Fiona e além do reencontro para atualizar décadas de suas vidas, Shameika e Fiona gravaram uma música juntas em referência a essa história das duas. Contar essa história aqui na newsletter me emociona em diferentes camadas. Foi através da MTV que conheci a Fiona Apple, uma das minhas cantoras preferidas; foi através de uma carta de uma professora que ela resgatou uma história importante de sua vida e foi através de um vídeo que eu soube disso. A imprescindível ação perante a violência, a força da memória, o poder das palavras endereçadas, o alcance de um trabalho artístico, a emoção de um reencontro… É uma espécie de full circle de tantos temas que me são caros… Que chegam aqui… Logo eu, que disse que não gosto de vídeos. E que tenho recebido ótimos retornos de minhas tentativas. Obrigada a você que disse que eu tinha potencial. Eu estou aqui.
Feliz dia internacional da mulher, leitora. Vocês são também Shameikas na minha vida. Um forte abraço e o desejo de um mundo melhor para nós.
Esta newsletter é revisada pela jornalista e poeta Luiza Leite Ferreira
Drops:
Resumo rápido da história Fiona e Shameika
Minha playlist para ouvir Pj Harvey, Tori Amos, Fiona Apple e mais
- mandando a letra sobre nordestinos de cara suja
No segundo ato deste episódio da
, uma história sobre a MTVTroque cartas analógicas comigo através desse projeto
Estou dando aulas particulares para quem quer começar uma newsletter. Informações por e-mail: oi.pmescreve@gmail.com
Em março, no Clube do Livro Quem Quer Ler, leremos As coisas que perdemos no fogo, de Mariana Enriquez. Informações e inscrições aqui.
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Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
eu também gastava - investia?! muito tempo criando maneiras de divulgar minha escrita no instagram. no começo até via um pequeno resultado, ganhando um tímido número de novos assinantes da news. mas senti que atingi um teto: quem quer / gosta / se interessa em ler, já assinou. o restante, não assinou agora e não assinará no futuro. depois de bastante insistência, percebi que não adiantava continuar “forçando” a leitura numa rede que prioriza vídeos rápidos e fotos - não é o público alvo do substack.
o que mais vejo retorno, pra mim e pra colegas autores, é a recomendação em outras newsletters, porque atinge o público certo. quem está lá, gosta de ler! então as chances de assinar uma nova news são muito grandes!
Te entendo muito. Eu gosto de editar vídeos pro YouTube e até lancei um pro Instagram mas depois de postado fico me perguntando se ficou bom e percebo vários defeitos. A ideia de tentar chegar num ideal pras redes é bem cansativa, tô tentando não pirar e só ir postando quando eu sentir vontade pra não me perder no meio do caminho.