1, 2, 3: testando
🏛️Isso é apenas futuro. O presente exige atos. O futuro espera quem o espera. (Sófocles)
Admira-se de quão terrível é o homem, que atravessa o mar e sulca a terra, e captura as aves e peixes, doma cavalos e touros, e aprendeu a fala e a sensatez, mas que, embora maquine artes inesperadas, oscila entre o bem e o mal, desde que saiba ou não coser as normas da terra com a justiça dos deuses. (Antigone, Sófocles)
Sou uma estudante inicial de Letras com entusiasmo quase juvenil em aprender coisas novas. Pronto: temos o primeiro viés desse texto. Quero falar sobre testes e experimentos e decidi iniciar essa carta com uma citação clássica grega: esse é mais ou menos o mapa mental de como ideias funcionam aqui dentro. É que a partir dela fiz conexão com anotações sobre meu incômodo e espanto com as dezenas de personagens (homens) de Oppenheimer. A barbárie em perseguir uma ideia, uma vontade, um ímpeto a todo custo e, com isso, testar a sobrevivência de gerações.
Escrevo essa carta sem saber ao certo onde quero chegar. Juro que a intenção era algo mais leve, que beirava uma prosa bem humorada, com pitadas de ironia e auto-piadas. Talvez essa fosse a primeira camada de ideias. Quando sentamos para escrever (sim, nós, escribas!), não temos controle do que se desenhará nas palavras seguintes. Escrever é um teste, uma abertura, um experimento. Em geral, inofensivo. Será?
Em Oppenheimer, o personagem homônimo é apresentado como cientistas de destaque na história comumente são: um homem muito inteligente, perturbado por suas ideias e com dificuldades de aceitação no meio acadêmico. Tenho certeza que rapidamente você consegue se lembrar de outros dois filmes que tenham uma história parecida, certo? Enfim, esse texto não é uma resenha sobre o filme, nem uma opinião se é o melhor filme do Nolan (não é) e nem mesmo uma discussão sobre o absurdo da bomba atômica. Eu quero falar sobre testes.
Sou uma grande entusiasta de aprendizados e quem gosta de aprender necessariamente tem que se prestar a testar, experimentar, arriscar. Essa parte não é a mais gostosa – não raramente sou confrontada com meus maiores medos, ainda que absurdos – porém, o resultado final é quase sempre satisfatório: saio com uma história pra contar. Sou curiosa e interessada desde criança e também fui uma menina muito medrosa. Esse paradoxo era difícil de resolver porque criança tem pouca ou nenhuma autonomia sobre suas ações e qualquer eventual erro parecia um rojão grande demais para as mãos de uma garota. Queria ter dito para ela que ela poderia tentar, errar e que, provavelmente, na maioria das vezes, iria conseguir.
Crescer me forçou a testar milhares de coisas – como você aí do outro lado bem sabe e vive(u). Se colocar à prova é mandatório, não tem escapatória possível, por mais que você se esconda no conforto da sua intimidade, da sua bolha, da sua família etcetcetc. Terminar a pré-escola e ter que sobreviver no recreio das crianças grandes; encarar uma entrevista de emprego e receber diversos nãos; decidir o dia em que pedirá o divórcio; marcar o X no questionário assumindo-se pessoa lgbtqia+; encerrar uma empresa; fazer uma tatuagem; escolher uma marca mais barata de macarrão porque o orçamento apertou… Eu poderia passar o resto da noite escrevendo essa lista porque viver é um grande formulário sem respostas corretas a priori e o escolhido é sempre você – que saco e que alívio ser uma pessoa adulta, não é mesmo?
Oscilar entre o bem e o mal acompanha a humanidade desde os primórdios, como constato semanalmente nas aulas de Introdução aos Estudos Clássicos. Não foram poucas as vezes em que estive no drama da escolha entre ser uma boa pessoa ou sair como uma grande vilã. Ao ler os textos que sobreviveram quase quatro milênios, a gente constata que os gregos estavam batendo cabeça por temas muito parecidos com os nossos. Ressentimento por um chifre? Temos. Pais polêmicos que produzem traumas? Temos. Inveja do sucesso do trabalho alheio? Temos. Injustiça social? Temos. Homens achando que podem e devem dominar todo o mundo? Temos. Entre o céu e a terra talvez exista menos coisa do que sonha nossa (nada vã) filosofia. Se eles já estavam gastando energia e tempo com isso, como podemos, tanto tempo depois, ainda estarmos nos testando tanto?
Testar significa assumir o risco da escolha. E escolhas nem sempre serão ancoradas nos bons costumes e na boa moral – ah, se meus diários falassem… Depois de tanto tempo estudando e trabalhando com comportamento humano, vejo que definitivamente a moral não é a melhor bússola para nossas decisões. Gosto da oposição que Spinoza faz entre moral e ética: a moral como os costumes aprendidos em sociedade e a ética, uma espécie de ciência das nossas escolhas.
E o que raios Oppenheimer tem a ver com isso? Bem, além da beleza que é ver alguém extremamente focado em construir algo novo, também tive o medo de assistir a essa mesma coisa. Apesar de ser uma defensora das experiências, também acredito que não precisamos e nem devemos vivê-las a qualquer custo. Além do mais, o custo nem sempre cai nos nossos boletos pessoais, não é mesmo? Em Antígone, o destino das escolhas se desdobra numa série de tragédias – o alívio é que se trata de ficção. No Projeto Manhattan, dividir o átomo levou à construção da bomba atômica e à decisão deliberada de exterminar civis. Aqui, respondo parcialmente minha pergunta. Acho que testar na escrita não é totalmente inofensivo, mas com certeza, é mais seguro do que se deixar seduzir pelas histórias a contar.
Drops:
Para ler Sófocles, temos essa edição da Penguin em promoção
Essa discussão sobre pirataria está sensacional (como todo o conteúdo do Thiago Ora)
Uma aula sobre ética e moral em Spinoza
Como nasce um livro, por
Escutar seu corpo fez a
escrever outro livroSe você não tivesse a obrigação de trabalhar, sabe como viveria? O
sabe!Minha amiga Rafa indicou, a
é fã e eu ainda preciso maratonar: quem se interessa pelos gregos tem que ouvir o podcast Noites GregasUma das músicas que inspirou essa edição
Se gosta do que escrevo:
apoie continuamente através dessa plataforma;
assine por aqui e receba uma edição extra por mês (a seção Caderno de Perguntas);
espalhe a palavra da news para sua rede
um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Ser citada por aqui é sempre uma alegria ♥️
me identifiquei muito!!
tambem fui (talvez ainda seja?!) uma criança cheia de vontade de aprender coisas novas, mas muito medrosa!
inclusive, pra eu começar a publicar minha escrita foi bem por esse caminho. quero tentar algo novo, porem tenho medo. quero me expor, mas fico apreensiva... no final, foi algo libertador e muito reconfortante pra mim!