Vamos falar sobre listas?
sempre que está perto de terminar / volta um capítulo atrás (Viviane Nogueira)
Alô alô!
Vou colocar a observação no começo porque hoje tô-que-tô:
Se você tem curiosidade de procurar suas palavras, de dar uma chance para a poesia que mora em você, tenho uma boa notícia: dia 23/04, às 19:30, Oficina Memorabilia - exercícios poéticos. Vamos juntos brincar com palavras, a partir de sentimentos e memória. As inscrições são através do e-mail oi.pmescreve@gmail.com e o valor é R$40.
Resolvi testar uma coisa diferente hoje. Tenho me dedicado à escrita de textos mais ensaísticos – pelo menos na minha visão, inspirada no estilo de ensaio estadunidense, como Susan Sontag, Joan Didion, Rebecca Solnit. Ainda estou longe de alcançar este grande feito, eu sei. Mas a newsletter é meu espaço de <ensaiar> diferentes gêneros textuais, então, hoje vamos falar sobre listas. Algumas das minhas newsletters preferidas trazem textos assim com frequência, como a Nevoeiro da
ou o Sofá da Surina, da . Leio poucos autores em inglês (veja a ironia!), porém um que me diverte acompanhar é Austin Kleon que, na versão gratuita de sua newsletter homônima, costuma fazer pequenos inventários temáticos, como as coisas que marcaram seu 2023.Escrever no formato de lista é um ótimo recurso textual para organização no processo da escrita. A partir dali, você pode dissertar sobre seus temas; recortar e transformar tópicos em versos de poema; elencar assuntos que deseja desenvolver ao longo de um romance; testar títulos para capítulos ou livro. Em A hora da estrela, romance de Clarice Lispector, temos, além do apresentado, mais outros treze títulos, que aparecem listados na folha de rosto e intercalados com a conjunção <ou>. Parece uma resolução textual para justificar o que acontecerá na triste história de Macabéa. Inclusive, parece que A hora da estrela, em segunda posição da lista, é um nome menos duro do que A culpa é minha, que figura em primeiro lugar. Pura inferência, precisaria estudar o que os estudos literários da obra nos apontam; por ora, me arrisco nesse chute.
Marcelino Freire, meu atual professor de escrita, em um de nossos encontros me desafiou a produzir uma lista: <responda onde mora o silêncio, numa lista de A-Z>. Na feitura do que será um romance – ou mais um projeto que enfiarei na gaveta – pensei nas cenas que me habitam e que desejo transformar em histórias, ou partes delas, como personagens, panos de fundo, pontas soltas, delírios, memórias. Saiu assim:
Armários roídos nos cantos
Biscoitos murchos no pote de vidro
Carro da garagem de sua mãe
Doença com número de CID
Esquina da Norte Sul
Fila do check-in do aeroporto
Garagem onde queimei caramujos
Horas no ônibus da Planeta
Iriri sobre as pedras
Jatos, aviões, portões
Kikos e o pastel de leite
Língua estrangeira no começo
Massa no almoço de domingo
Navios no horizonte da praia
Órbita materna
Príncipe, sua alcunha
Querer e não poder
Rio Itapemirim e a beira
Secura no olho sem choro
Trabalho que dignifica o homem
Universo em torno do umbigo
Vitória que nunca foi casa
What now, my love?
You must get out
Xadrez não é pra qualquer um
Zunido de ar-condicionado
No curso Escrevendo o Trauma, com Jarid Arraes, também experimentei escrever uma lista. O gênero textual que mais tenho intimidade é a poesia, veja só: uma lista também pode ser um poema! A temática do curso era difícil e trabalhar o tema também. Muitos colegas trouxeram histórias em prosa, algumas fictícias, outras uma mistura do real e do imaginário. Eu ainda trabalho para a construção dessa voz narrativa em prosa, ainda tateio quem é que conta a história que estou desenhando – muito dela ainda é um rascunho, uma garatuja. Já faz tempo que comecei a tentar, foi lá no amargo 2020, em meio à todo aquele caldo de merda que a gente viveu. Comecei a escrever para contornar um luto, enquanto vivia outros. Complicada tarefa, hercúlea, sisífica. Um texto, um livro, uma ideia: tudo se faz por etapas, tudo tem seu próprio processo. Como nos coloca muito bem Jana Viscardi, em seu livro de estreia Escrever sem medo: “Assim, produzir um texto é pensar também as diferentes etapas que compõem o processo de produção textual”. Voltando ao curso de Jarid, produzi um poema-lista:
pequenos delitos
A foto de Bárbara que caía do mural atrás do sofá todo final de semana entre 2014-2018;
O rum bacardi ao lado do microondas que diminuía pouco a pouco em 1998;
Os badulaques de uma sandália na C&A em 1999, sem arrependimento;
Os envelopes de depósito no Banco do Brasil xingando J. N. S. de filho da puta, entre 2007-2016;
Copo descartável de volta na pilha de copos novos na biblioteca de Boston em 2016;
A hóstia mastigada pós-eucaristia, entre 1997-2007.
Pecados listados servem de confissão?
Muitas pessoas têm medo da escrita, e eu sei que não é (só) por causa das palavras. Organizar isso que chamamos de <texto> depende de tantos fatores que não é incomum uma pessoa que escreve, escrever sobre a escrita – quase um trava-línguas, hein? Por aqui, no meu quadradinho, sigo espantada e encantada com as possibilidades das letras e sons, essa sequência de coisinhas que chamamos de língua e que produz mundo. Pra fechar bonito e citar um nome de peso: Foucault nos diz que a palavra produz a realidade. Acho que é por isso que persigo a palavra da poesia.
Drops:
Em abril, o Clube do Livro Quer Quer Ler terá o primeiro livro de poesias do ano: Amor Recreativo, daLuiza Leite Ferreira. Nosso encontro será dia 29/04, às 19h. Inscrições e mais informações aqui
Foucault, as palavras e as coisas: texto no portal Outras Palavras
13 títulos ou 13 tiros em três sopros de vida ou morte em Clarice Lispector: artigo na revista Cerrados, da Universidade de Brasília
Edições de newsletter:
genealogia dos emojis, texto delícia da
- minha pastora das news, falando sobre solidão
a moda das bibliotecas investigada por
Essa newsletter é revisada pela jornalista e poeta Luiza Leite Ferreira.
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Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
sabe que um dos temas originais que eu queria usar na minha newsletter era minha obsessão por listas? cheguei a escrever alguns ensaios sobre o tema em 2021.
vc já viu aquele livro do umberto eco, a vertigem das listas? eu tenho aqui há anos e sempre volto nele para me inspirar.
- Cacarecos empoeirados na loja de presentes da rodoviária de BH.
- Banquinha de algodão-doce numa noite chuvosa.
- Pizzaria vazia em julho em Guriri.