Essa é uma edição fragmentária. Sou colagista, então pedaços, recortes, restos são meus materiais base, seja para a poesia, para a arte visual ou mesmo para a escrita em prosa. Na news de hoje, trabalho acerca da morte e do luto sem dissertações. Hoje trago fragmentos que expõem ideias alheias e também meu próprio estado de matéria neste momento: em pedaços. Não quero alarde, me desculpe se este parecer o tom da conversa. É que a morte sempre foi um grande tema de interesse, eu só não queria estar conhecendo <mais> dela nestas condições. Faz quatro meses que perdi minha prima-irmã e tateio este novo mundo sem ela: tudo parece pela primeira vez e, ao mesmo tempo, tão antigo e familiar.
XXVI
Durante o dia constrói
Seu muro de girassóis.
(Sei que pretende disfarce
E fantasia.)
Durante a noite,
Fria de águas
Molhada de rosas negras
Me espia.
Que queres, morte,
Vestida de flor e fonte?
- Olhar a vida.
(Da morte. Odes mínimas. Hilda Hilst, Ed. Globo, 2003)
aos domingos, alguns compromissos fixos
a corrida mais longa, pela manhã
o café da manhã na padaria, com o amor
o almoço tardio, como desejarmos
e também
as noias sobre o passado
mastigadas vagarosamente
toda santa vez
todo Santo domingo
o dia do Senhor
mastigo e não engulo
como as saudades
inexoráveis
do tanto que já perdi
das perguntas que não poderei
do café em que ela não está
dos almoços ou corridas ou dos fazer nada
com ela e a lista de quem sumiu
e não há como encontrar
domingo é meu HD antigo e queimado
que eu insisto em recuperar.
(acervo pessoal, agosto de 2024)
Na superfície, eu parecia racional. Para o observador comum, eu aparentaria ter compreendido plenamente que a morte era irreversível. (…) “Trazê-lo de volta” tinha sido, durante aqueles meses, meu objetivo secreto, um truque de mágica. (p. 48-50)
Você se senta para jantar, e a vida que você conhecia termina.
A questão da autopiedade. (p. 201)
Um pequeno pássaro cairá morto de um galho, congelado/ sem nunca ter sentido pena de si mesmo. (D. H. Lawrence citado por Didion, p. 202)
Somos seres mortais imperfeitos, conscientes dessa mortalidade mesmo quando a negamos, traídos por nossa própria complexidade, tão incorporada que quando choramos a perda de seres amados também estamos chorando, para o bem ou para o mal, por nós mesmos. Pela perda daquilo que éramos. Do que não somos mais. Do que um dia não seremos de todo. (p. 207)
(citações do livro O ano do pensamento mágico de Joan Didion - Ed. Harper Collins, 2018)
O luto não é uma escolha.
Saber disso não alivia a dor.
Você vai se sentir feliz novamente – e se espantar.
Por aqui, a raiva aparece com frequência.
Penso quase sempre em desconhecidos e em como suportam suas dores para seguir.
Tudo virou urgência. Ou nada?
Não está melhorando, nem um pouco.
Eu preciso falar seu nome em voz alta.
Bruna. Bruna. Bruna.
As músicas que falam de amor de repente falam também o seu nome.
Durmo e acordo com o mesmo pensamento absurdo: onde ela está?
Falta palavra e falta abraço para a pouca palavra que resta.
Recorro à poesia, em todos os seus cantos. Faço dela travesseiro, sapatos, esponja.
Me entupo de atividades, compromissos, encontros.
Também preciso, urgentemente, ficar sozinha e em silêncio.
Nunca mais entrei no nosso grupo de Whatsapp.
Não queria envelhecer num mundo onde ela não está.
Há tanto que não conheço – e agora, não posso nem perguntar.
Minha memória piorou, alguns cômodos da casa mental estão escuros, insuportáveis.
O luto é um pangaré relinchoso, que dá coice e pede carinho, ao mesmo tempo.
Drops:
Estarei na Bienal pela primeira vez na vida e estreio no debate Literatura no Divã, onde converso com Tininha Calazans através da mediação de
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Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
É incrivelmente bizarro como todos que sofrem com o luto mesmo sentindo de formar diferentes, acaba sendo igual. Nesse caso, amei a lista, posso levar ela para minha psico rs?
Força pra você, Paula. Estou vivendo um luto também e me identifiquei tanto com os pontos que você trouxe. É uma montanha russa de emoções, que às vezes me surpreende com o que ela traz a cada dia. Mas a vida segue. Te desejo coragem para continuar e amor no seu coração! Fica bem.