Oie!
O texto de hoje é um resgate de 2014, há quase exatos oito anos atrás. Era outra paulamaria que escrevia e ao revisitar essa pessoa que fui - e que tem seus relances em 2022 - me deu vontade de compartilhar com vocês. O tema 'limites' continua pertinente, afinal de contas a vida adulta não nos furta dessa necessidade, mas vejo o quanto de bordas fui construindo ao longo desses oito anos. Muros de alvenaria para conter o que é precioso e que não pode ser invadido ou roubado. Cortinas de voil para aquilo que quero mostrar, mas só pra quem chega mais perto. Grades de ferro para o que pode ser olhado mas não tocado. E muito, muito mais carinho com a pele em que habito.
São raros os momentos nos quais um “não” consegue sair suave. Ao negar elogios, facilmente ele escorrega de meus lábios. “Você é tão bonita”. “Ah, que isso, tô maquiada, deve ser isso”. Quando me nego, me escondo atrás de algo que não preciso ser. E quando preciso, o tal do “não afirmativo”, corro dele com a maior capacidade de meus pulmões e pernas. Suave é um patamar difícil de ser alcançado, como, até mesmo, algumas receitas culinárias exigem…
O gosto de negar os limites — porque é mais assustador dizer não para o outro do que aguentar mais um tiquinho — vem de velhos tempos e velhas camadas. Uma alma velha não congela, diria um amigo meu. A verdade é que, hoje, pra mim, ela já vem congelada… Não conseguir dizer um não é se paralisar, se congelar no tempo e no espaço. Fingir que pode sim deixar pra lá algo que machuca, algo que não quer. Engolir aquele pedaço de cartilagem no almoço na casa da sogra, porque cuspir no prato é feio. Entende a sensação?
Marcar alguns “statements” sobre si mesmo é tarefa que vem com a maturidade de um sujeito-corpo. Por maturidade, não digo os que sabem mais ou dos que sabem menos. Nem mesmo estou falando dos mais velhos, dos adultos ou do mestre yoda. Sim, maturidade se ganha com tempo e experiência, mas não é por si garantida pela contagem dos anos… Há um exercício de aprender sobre si mesmo e agir sobre si que é necessário, importante e primordial para esta maturidade. Você não vai ganhá-la de presente aos 30 anos. (Note to self, inclusive).
Fico de pé. Fecho os olhos. Penso no meu corpo em pé, em todas as forças que agem sobre ele. Na gravidade, na culpa, na ansiedade, nos desejos e sonhos… Penso onde cada força dessa está agindo sobre mim: como meus joelhos se abrem, como meus pés se fincam com medo de perder o chão, como minhas coxas tremem e são flácidas, como meus braços jogam toda tensão para os ombros, como minha cabeça fervilha… Qual “statement” este corpo está me comunicando? O que ele quer? Como eu preciso agir sobre ele, para não me perder de mim?
O outro não cessa em me convocar. O telefone toca trezentas vezes, só esta manhã. Se nenhuma delas é para mim, por que atender? Não atendo, ignoro. Suportar o trim trim trim trim que ecoa em minha cabeça. Esqueço, ligo o som, qualquer coisa outra que ecoe. Um não possível por hoje.
Minha borda se estica mas pode estourar. Pode pocar, para capixabar. Os joelhos se abrem porque me afrouxo. E perco minhas coxas facilmente neste movimento. Perco a tonicidade do maior osso do meu corpo. O fêmur se dobra, esponja, espuma. Recupero — ou trabalho para recuperar — quando corro. Impulsiono essas coxas contra o chão. Elas tremem, mas respondem, com vigor. Incham, enchem-se de vitalidade, de sangue, de calor. Meu contorno se refaz. Outro não, desta vez, para mim mesma.
É preciso inventar um espaço para repetir o não. Construir um lugar que ele seja possível. Se utilizar do não, afirmativamente. Limite. Parede. Borda. Intimidade. Como é difícil! Intimidade consigo mesmo. Não deixo o outro me invadir, isso é violento, isso me machuca, isso me faz mal. Conto com o outro para me limitar, mas a relação é outra, não tem ditadura, não tem que obedecer, não tem que mastigar se não quiser mais engolir.
É preciso aprender a caber melhor nas próprias roupas.
Nota: os anglicismos usados no texto se justificam no contexto dos estudos que estava mergulhada na época. A linguagem é uma ferramenta importante na experimentação de novos comportamentos e essa imersão na teoria do processo formativo da Regina Favre e no corporalismo de Stanley Keleman foram marcos no meu desenvolvimento. Mais sobre isso nesse vídeo aqui.
Um poema meu no blog da Editora Margem;
Saiu disco (quem fala disco?) novo da Rosalía e está um primor;
Nova edição das minhas zines disponível. A tiragem é 10 exemplares, restam 5. Aqui;
Na próxima segunda feira (21/03, das 19h às 20h30, online) vou dar uma oficina de escrita para meus apoiadores. Tenho mais 03 vagas (gratuitas). Se tiver interesse, responde essa news. As vagas serão preenchidas por ordem de 'chegada'.
Brinque de blackoutpoetry nesse site! Te desafio a usar um recorte dessa news e me mandar o resultado!
Descobri que gosto de músicas de xóvem com a Olivia Rodrigo.
Um abraço e nos vemos na próxima edição!
(estou praticando a constância, viu?)
paulamaria.