Primeiramente: boas vindas a quem assinou recentemente: puxa uma cadeira, sinta-se em casa! Passa um cafezinho e bora pra carta de hoje.
Ano passado escrevi um texto pré-aniversário e nele comentava sobre movimentos que se desenhavam na caminhada. Falo sobre coragem e sobre reafirmar as escolhas que iam se firmando nos pequenos gestos do dia-a-dia, nas coisas sem função que pratico com gosto, nos livros que escrevi desde então. Colocando em perspectiva parece que foi fácil, leve e gostoso... E todo mundo sabe que não é. Bom... Se não sabe, fique sabendo. O caminho é sinuoso e por vezes a gente tem que refazer a rota, e passar pela mesma via não quer dizer seguir a mesma direção.
Aniversários são datas nostálgicas na minha experiência. Pode ser o meu dia, que motiva essa edição da news, ou o de pessoas queridas. É tiro e queda, chegam essas datas e eu entro no looping de retomar histórias, fotografias, momentos. Faço uma bricolagem de memória e sentimentos, tentando organizar tudo em mensagens bonitas para dizer que celebro - mais um ano - a nossa existência. Confesso que tenho sido um tanto relapsa com a bricolagem nos últimos tempos, minha memória já não comporta de cór as datas dos nascimentos e muitas vezes eu confundo a data e a mensagem chega um dia ou até uma semana depois. Desculpe, amigos. Não é proposital. Eu apenas estou envelhecendo. No Brasil. [obs: você também tem percebido sua memória piorar?]
Nessa nostalgia que embala o mês de junho, quero compartilhar com vocês algo muito precioso e antigo, que já revisitei há alguns anos. Entre as muitas caixas de cartas guardadas, achei há sete anos atrás um manuscrito meu de 2004. E então escrevi:
Manifesto dos 17 anos e poucos meses Ou a maior relíquia que eu poderia encontrar no dia de hoje
Arrumando minhas caixas de cartas — sim, são várias, dá quase pra dedicar uma caixinha pra cada amizade, em algumas épocas — pude me deleitar com lembranças maravilhosas: do choro ao riso forte, foi uma manhã muito produtiva e nostálgica. Uma manhã canceriana, eu diria.
Dentre os muitos escritos presentes na caixa, de cartas de amigas, ex-namorados, ex-amigos, familiares e até mesmo cartas que eu escrevi mas nunca enviei, achei este manifesto. Ele data de 16 de junho de 2004, 11 dias antes de eu completar dezoito anos. Pois bem, eis o texto que segue:
“Hoje finalmente tento reunir ideias que me atormentam o juízo há tempos. Hoje foi o estopim.
Parte um: quando me queixei com uma ex boa amiga do meu cansaço causado pelo convívio com pessoas fúteis, ela, categórica, mais uma vez me tachou como louca. (trevas) Começo da indignação total. Por que as pessoas não se tocam? Por que não enxergam a indiscutível genialidade de Drummond? Por que não ouvem a voz de Ney? Por que não veem nos mais velhos, templos vivos de sabedoria? Cansei de viver assim, com esse conformismo. Claro que nem tudo consegue ser tão ruim. Ainda existem as pessoas que se salvam por aí, pelo menos por enquanto. Vi que: eu preciso de Ufes, de Salvador, de cultura real!
Parágrafo dois: por que as pessoa se chocam com as minhas atitudes? Afinal, o que há demais em mostrar o laço da calcinha? Todo mundo ou tem ou já viu uma na vida. Então, eu posso mostrar a perna, o braço, a orelha ou o peito. Eu posso mesmo! E isso não deveria chocar, já é tão banal que não faz diferença real. O mais íntimo que eu penso que possa ser, é mostrar e dar o meu amor, o meu sincero afeto. O coração mesmo. Isso sim é chocante, único, exclusivo e ninguém faz com frequência. E com certeza muito infinitamente mais importante do que a estampa do meu sutiã.
Parágrafo três: insistência nos não-futuros. Explico: três meses com o coração nas mãos de alguém que não o quer. “Mas ele se queixa de falta de amor!”, essa era eu ontem. Hoje eu entendo que não é do meu amor que ele precisa, senão já o tinha aceito há tempos. E eu me queixo também e talvez tendo coração nas mãos. Portanto, reconheço que errei quando exijo algo que nem eu mesma faço. Que grande passo! Eu não só reclamo, eu também erro!
Parte IV: Auto aceitação. Este ano, ano de aprendizados, ressalto lições pessoais. Digo, tenho aprendido a gostar de mim, bem assim mesmo. Eu mesma amar o meu corpo, com todos os defeitos e virtudes dele. Amo meus pés (que hoje estão com chulé, preciso tomar banho!), meus ombros, a curva das minhas panturrihas, meu nariz, as pintas de todo o meu corpo, as sobrancelhas, os seios… E amo com toda a assimetria, toda celulite, todo pelo, estria e cicatriz. E uma certeza: alguém um dia também irá amá-lo e vai ser um “Playgroud love”, com e sem todo o respeito merecido.
“Curta” parte cinco: meu sentimentalismo. Como um amigo ressalta todo santo dia, eu sou uma “ema”, com prazer de verdade, eu sou. Sou intensa em tudo o que faço, choro e rio num mesmo instante. E todos sempre sabem o que se passa. Sou transparente. Só não vê quem não quer. E não vou mudar minha postura pra agradar. Sim, eu estou aprendendo com meus grandes erros e decepções. Mas eu mudo somente para o meu bem estar. E só.
Considerações finais: enfim, faltando onze dias para os 18 anos completos, estando em Vila Velha — ES, sentada na cama, ouvindo A-ha, eu, P.M.V.R, sou uma pessoa melhor hoje e agora. Amo as pessoas e estas o sabem sem eu dizer. Amanhã, tudo de novo. Colégio, aula de Valadares (nem tudo são flores) e recreio com club social. Boas conversas e bons abraços é o que vou fazer. O resto é o resto. E sigo pela vida, quem sabe não te encontro e te abraço?”
É ou não é uma preciosidade?
Rir de si mesmo é das melhores experiências da vida. Ver que cresci e aprendi, caí e levantei muitas vezes depois de tantas certezas… Perdi muito e ganhei ainda mais. Hoje sou mais leve, a mão tem mais delicadeza e a voz não precisa gritar tanto. Mas foi exatamente por minhas batalhas vividas que puder chegar até aqui.
Quem sabe não está na hora de escrever um novo manifesto?
Hoje não vai sair um novo manifesto, apesar de gostar da provocação do meu eu do passado. Adoro reler essa autocarta porque ainda encontro muitos pedaços de mim ali, presentes e atualizados, quase vinte anos depois. Em outros pedaços, vejo que me desfiz sem apego e me tornei muito mais feliz e potente. Ser uma jovem em 2004 era desafiador porque tudo era intenso e poucas eram as respostas. Vejo que isso também me permitiu experimentar, tentar, errar, repetir e acertar. É gostoso entender que eu achei o meu caminho e que ele só foi possível porque eu desejei, encarei e vivi. Que gosto bom tem uma vida vivida. Recomendo viver.
Peço desculpas pelos imperativos que acreditei no passado e que me causavam tanta revolta. Hoje me pego rindo dessa dureza toda, gostaria de ter sido mais macia... Acredito que a ignorância da juventude - por não saber e não ter vivido uma renca de coisas - fazia de mim uma pessoa com muitas certezas e verdades sólidas. E é claro que a vida ia desmanchar uma por uma, me fazer duvidar, me deixar perdida e logo após restaurar toda a minha fé no movimento que é inerente à tudo que é vivo. Se tem algo que eu tenho cer-te-za hoje em dia é isso: a vida segue.
E ao amigo que me chamava de 'ema', que maravilha é ainda te ter aqui. <3
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A Toranja, minha newsletter em parceira com Lisandro sobre criatividade, chega na quarta edição com novidade!
Estou obcecada com essa série da Vogue na casa de famosos mostrando objetos de arte
Ah, meu aniversário é dia 27. :)
um abraço e até logo,
paulamaria