Essa edição é um presente para o Amigue Secrete “troca troca de newsletters”, proposto no grupo Newsletters BR. Minha amiga X - também oculta ou secreta, a depender da sua localização geopolítica - será revelada ao final do texto. Uma carta pra quem não conheço e que passei a ler recentemente. Um presente de grego.
Vila Velha, 21 de dezembro de 2022
Olá!
Escrevo essa carta num dia nublado e úmido, com cheiro de maresia e chuva. Estou na casa dos meus pais para as festas de final de ano e aqui repouso por uns dias, longe dos barulhos de São Paulo e perto das ondas do mar. Apesar da maravilha do cenário, adivinhe quem está presente? Sim, ela mesma: a makita nossa de cada dia, que canta numa obra aqui perto. Talvez o som mais onipresente do Brasil.
Achei que fosse ficar por último no troca troca das newsletters, pois geralmente no amigo X da família eu ficava pra trás, já cheguei pensar algumas vezes que meu nome não tinha ido no bolinho dos papeis escritos e cortados por minha vó, mas nos 45 do segundo tempo sempre aparecia quem tinha me tirado. Coisa um pouco traumática pra criança, né? Faz anos que não brincamos de Amigo X, a última vez foi antes do final do mundo, em 2019. Desde então, azedou, nunca mais. Como é aí pra você? Tinha o costume de reunir a família, juntar pratos e trocar presentes? Sinto isso já longe na memória, numa vida que não existe mais. E não existe mesmo.
Tendo situado d’onde te escrevo, vamos ao presente, né? Li toda sua newsletter e não consegui definir um tema geral. É uma pergunta que tenho me feito nos últimos dias: sobre o que raios afinal é a minha newsletter? Me peguei intrigada com a questão desde que a Victória me citou num texto (ótimo!) no qual ela dá um passo-a-passo para quem quer começar a escrever uma news. Pensei, pensei e pensei mais um pouco: não consigo achar a resposta. Talvez a inquietação com meu próprio escrever tenha contaminado a leitura dos seus textos. Perdão.
Decidi fazer textos sobre qualquer coisa que der na telha, afinal, esses textos irão chegar até as pessoas apenas quando e se elas quiserem, o que diminui o risco de me fazer perder o tempo de alguém.
Encontro esse trecho num texto seu. Você se pergunta sobre quem vai ler seus textos e logo em seguida se responde. É incrível como elaborar perguntas faz a gente encontrar as respostas, como se a gente já as soubesse de antemão, precisava era organizar. Lembro da escola, quando as professoras ensinavam a fazer provas: leia todo o enunciado da pergunta e todas as alternativas com calma, a resposta está lá, você só precisa encontrar. Não sei se você sabe que além de ser escritora, eu também sou psicóloga, então, perguntar é minha religião. Gastar tempo elocubrando sobre a vida, o universo e tudo mais é a ferramenta mais importante no meu ofício e sem isso, ele se desmancha. Não sei exatamente porque decidi ser psicóloga, sei que sou apaixonada por gastar tempo perguntando, sobre tudo, sobre todos. Também por isso escrevo, também por isso leio. O gosto pela perda do tempo, meu, do outro. Não é tudo isso que temos, afinal? Em outro trecho seu, destaco:
E aqui deixo um parenteses, pois às vezes eu penso: será que as ágoras da Grécia eram assim também? Uma enorme aba de comentários a céu livre?
Ao lado do computador, busco na orelha da minha atual leitura, uma pista:
Com maestria e naturalidade, a autora adentra questões debatidas há milênios, aprofundando o não dito que se lê além dos enunciados, mostrando que sob a superfície sempre há outras camadas. (…)Nessa jornada, aprenderá a entender a natureza do tempo, jamais perdido, a achar-se suspensa diante da incerteza; aprenderá que o desconforto gerado pela novidade também nos mantém vivos, que errar não é apenas lícito, mas necessário: erro e errância levam sempre à descoberta - Lições de felicidade, laria Gaspari, ed. Âyiné
Talvez os antigos ficassem a abrir infinitas abas em seus navegadores mentais, fios intermináveis de comentários no Twitter dos tempos clássicos: o papo na beira do rio, com pouca roupa e muito vinho. Ou talvez essa seja a versão romantizada e clichê que construímos sobre esses tempos longínquos e inalcançáveis, dos quais nos sobraram restos que juntamos à nossa maneira: o jeito que vai fazendo sentido ao longo da história, com pitadas de interpretações enviesadas, escolhas pessoais, crenças passageiras, modismos e arbitrariedades. Nunca saberemos exatamente o que faziam os gregos, os romanos, os egípcios, os fenícios, os himalaios. O exercício e o esforço de construir uma linha do tempo coesa é um kintsugi: a gente cata os pedaços e cola com um troço que brilha, porque a necessidade de sentido e beleza nos dá, em alguma medida, conforto e vontade de prosseguir.
Estou escrevendo um monte de coisa misturada porque é assim que escrevo cartas, você me desculpe a bagunça. Estou tentando ser o mais fiel possível ao modo analógico que escrevo, sem muitas edições ou roteiro, respeitando o fluxo de pensamento e os eventuais erros de concordância etc e tal. Para encerrar, deixo um trecho do livro que citei acima, como uma resposta possível à inquietação que você trouxe em ‘Quem vai querer me ler?’ ou também para qualquer outra pergunta.
A felicidade dos antigos (eudaimonia: composto por ‘eu’ - <<bem>> - e ‘daimon’ - <<espírito, sorte>> - é um destino feliz que nos constrói devido à justa postura do corpo e da mente; e é uma forma quase heroica de fidelidade a si mesmo, de dedicação à própria vocação natural - que é, justamente a de ser feliz. É um exercício de liberdade, não apenas pelas ironias do destino, pela originalidade em relação à opinião dos outros ou pelas peças que a sorte nos prega, mas também e principalmente por nós mesmos; por causa das reações imediatas que nos transformam em fantoches à mercê de um sistema de crenças aceito irrefletidamente. Por isso, as regras das escolas estabelecem uma progressão de exercícios que exigem que quem as cumpre coloque continuamente em discussão a própria disposição interior - e também exterior.” (p. 13)
Siga escrevendo e perguntando,
! Estamos aqui para seguir nos lendo.Com carinho, paulamaria.
Eu já recebi a minha carta presente, essa coisa linda aqui da
:Se você gosta do que eu escrevo, considere apoiar meu trabalho. Caso queira mandar um mimo de final de ano, aceito pix em oi.pmescreve@gmail.com
um abraço e até a próxima edição, a última do ano.
paulamaria.
gostei MUITO <3
Paula, que lindeza essa edição. Singela, cheia de sutilezas profundas. 😘