essa edição vai com áudio que você pode acessar acima (que eu errei o nome da news!!!). mas se quiser uma musiquinha, revisei o texto ouvindo a playlist da Marianne, de Normal People <3 https://spoti.fi/3EpCsz7
É muito difícil ser uma pessoa é a frase que irrompe de meus pensamentos enquanto leio (devoro?) o fantástico “se deus me chamar não vou”, de Mariana Salomão Carreira. A frase não aparece no livro e nem é da autora, é fruto dos meus pensamentos pensando em cima da narrativa que me prendeu por horas entre a tarde e a noite de ontem. Sou fugidia como leitora, em geral pingo as leituras com uma sorte de atividades interrompem o fluxo da narrativa - quem ainda consegue ter cem por cento de atenção concentrada? Fato é que lendo Mariana, parei por algumas vezes não por distração dos tempos contemporâneos, mas porque eu tava com medo de acabar logo. Isso é raro. Percebi que eu estava era gostando demais de me identificar com a banho-Maria Carmem.
Acho que é difícil ser uma pessoa porque desde muito cedo, talvez desde a idade de Maria Carmem que eu queria ser muitas coisas nessa vida, uma infinidade de coisas que se complementam e outras que nem tanto. E tenho percebido a cada dia que não vai dar tempo. E olha que eu até me considero uma pessoa que aproveita (palavrinha complicada) as oportunidades (outra) que a vida apresenta. As janelas que não se abrem eu tento olhar e subir numa mureta do meu jeitinho… Mas a real é que simplesmente não vai dar tempo! Maria Carmem tem só onze anos, ela tem o resto inteiro da vida dela e eu já vivi um grande pedaço. Parte de mim é como ela, e estou em 1997, cortando estrelas com resto de cartolina amarela para colar na área de estudos, sonhando com minha casa de adulta, que terá meu canto de escrita, meu quarto e meu banheiro sem ninguém pra me incomodar. De repente, é 2022, estou com covid & tpm, pensando que diabos fiz da minha vida - e onde é que andam minhas estrelinhas?
Eu queria ser uma infinidade de coisas. Tá. Uma infinidade é coisa demais. Posso tentar listar: fotógrafa; carpinteira; ajudante de cozinha; barista; professora de memorabilia; galerista; mecenas; estudante; costureira; personal organizer; acompanhante terapêutica; psiquiatra sem ter que fazer medicina; groupie de banda de numetal; fornecedora de pack do pezinho; modelo de mãos no medalhão persa; confeiteira; herdeira safada que viaja pelo mundo; poeta que mora no interior da frança; humorista; decoradora de paredes pra quem não tem bom gosto; companhia profissional para café com bolo de tarde; filha da madonna; editora; dona de uma grande e bem sucedida editora de livros chics tipo cosacnaif; oficineira; comunicadora de bebês; fazedora de carinho na barriga de cães e cãs; ceramista; bordadeira; fazedora de listas criativas.
Escrevo essa lista (in)finita pensando em tudo que não está dito aí. Eu passaria a tarde inteira inventando e catando mais coisas pra enfiar ali, porque até cabe no texto, mas infelizmente, não no tempo de viver. Que difícil ser uma pessoa! A gente fica enfiando umas ideias na cabeça que trazem tanto sofrimento e que, ao mesmo tempo, tudo parece uma grandessíssima bobagem (imperdível, claro). Queria só dizer que li sobre Maria Carmem e me senti com 11 anos de novo, mas eu tenho trinta e seis e os vinte e cinco anos que nos separam é um borrão complexo que voltimeia eu mergulho, tentando separar as cores daquela massinha que eu mesma misturei - e que virou aquele marrom esquisito, sabe? Será que era por isso que Maria segurava tanto o cocô? - leia para descobrir.
Ela queria tanto escrever um livro e afinal de contas escreveu! Ele chegou até mim, veja bem, no primeiro festival literário que participei como escritora oficineira (!!!). Conheci sua autora, Mariana, na mesa Estratégias Narrativas, que teve a participação de Leandro Rafael Perez e Nilton Resende, com mediação de Tamy Ghannam. Fui parar nessa mesa querendo ver o Nilton, que foi meu professor de literatura do ensino médio e que hoje leciona no Departamento de Letras na Universidade Estadual de Alagoas e é escritor e tem a editora Trajes Lunares. Histórias mil a parte, assisti a mesa feliz de vê-lo no palco, brilhando! Pude também abraçar a Tamy, cujo trabalho no ramo literário eu admiro e acompanho. E, em seguida escolhi o livro de Mariana pela capa - e por sua eloquência na mesa. Mal eu sabia o que tinha feito enfiando aquele pequeno livro rosa choque na bolsa.
Não vai dar tempo de fazer tudo. Enquanto isso, eu posso escrever.
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Um abraço e nos vemos na próxima edição,
paulamaria.
ai que quentinho no coração esse texto <3
ri alto com "modelo de mãos no medalhão persa" hahahhahaa
Um alento ler que não vai dar tempo de ser tudo mas dá pra escrever. Esses dias tenho sido atacada pela melancolia e sentimento de fracasso, achando que tudo o que faço como escritora é em vão. Pois tudo o que eu faço é tão pouco, pra quê fazer mais? Mas é justo o contrário. Fazer mais e mais porque é o que dá pra fazer, já que não temos mil vidas pra sermos tudo o que sonhamos. Acho que eu só me sinto pequena porque faço esforços pequenos. Não sei. De todo modo, obrigada pelo texto e espero que você fique boa logo!