O que me toca
Deveria escrever sem pra quê, sem pra quem./O corpo se lembra de um amor como acender uma lâmpada./Se silêncio é tentação e promessa. (Alejandra Pizarnik)
Este é o primeiro texto da série “hoje é um novo dia, de um novo tempo blá blá blá”. Dezembro chega acachapante, do nada faltam menos de três semanas para viramos a chave do ano novo. Por aqui, uma pitada de desespero pelos trabalhos e provas da faculdade, mais outra de tentativas e remarcações na agenda de psicóloga junto com uma grande porção de eventos impossíveis de acompanhar. Minha cabeça sonha incessantemente com os dias na praia, com o silêncio marulhante ao pé da areia e com o açaí não inflacionado no final da tarde. Fé em deus, DJ!
Hoje mais cedo assisti a um vídeo em que o ator Fábio Assunção comenta sobre chegar ao final do primeiro ano da faculdade de Ciências Sociais. Com alegria e aparentando um evidente cansaço, ele celebra o final dessa jornada dizendo que pensou que não daria conta. Eu, aqui do outro lado, entulhada de pensamentos sobre semiótica (socorro), análise do diálogo (deus, é você?) e teoria do conto (os russos são mais simples do que eu pensava), concordo com Fábio mesmo sem ter chegado de verdade ao final dessa corrida maluca. Ainda falta uma semana e parece que falta um semestre inteiro – o que é um paradoxo, já que, logo no parágrafo acima, assinalei meu medo do vindouro 2024 gritando na porta, tal qual uma testemunha de Jeová. O tempo, ele de novo, aparecendo nessa humilde newsletter.
Em 2023 pude visitar porções antigas da minha já nem tão curta existência. Essas visitas foram possíveis graças a um dos milagres mais bonitos da humanidade: a música. Em janeiro, junto das minhas irmãs, pude presenciar de faixa de glitter e coração de batom no rosto, o show dos Backstreet Boys, responsáveis por parte do meu desenvolvimento na aprendizagem de língua inglesa. O show foi um marco em diversos sentidos, mas especialmente porque foi remarcado para 2023, depois de ser cancelado em São Paulo pouco antes do fim do mundo (pandemia do coronavírus, em março de 2020). Três anos depois, sentadinhas no Allianz Park, eu e milhares de millennials expurgamos amores vencidos, agendas com colagens da Capricho e a grande emoção de ver um sonho se tornando realidade. Ah, e claro, o Kevin…
Também este ano, agora em junho, pude assistir ao show do Goo Goo Dolls, banda dona da melhor trilha sonora de romance da minha vida (Iris, do filme Cidade dos Anjos). Pulei, chorei, gritei e me diverti muito em um evento que jamais pensei ser possível quando nos idos anos 2000, no repeat do CD gravado, escrevia as letras em cartas para as amigas de escola. No mesmo mês vi de pertinho Jorge Ben Jor e Zeca Pagodinho, que me emocionaram profundamente com suas presenças de palco e renderam áudios estourados para meus familiares – saudade imensa dos churrascos ao som de W Brasil (que ele não tocou) e Deixa a vida me levar (o clássico brasileiro que melhora qualquer dia ruim). Não deixa negar minha retrospectiva Spotify, que alertou para a minha música mais ouvida este ano: Cinco minutos, do Jorge Ben.
Em novembro, o nível de improbabilidade aumentou na escala “quem sabe ainda sou uma garotinha” que morava em Vila Velha e corria para ler o caderno dois do jornais em busca de novidades musicais. Pude presenciar, na companhia de uma das minhas melhores amigas, o show de Alanis Morissette. Para quem cresceu assistindo em doses nada homeopáticas o extinto canal MTV Brasil, cantar a plenos pulmões Ironic foi um ritual e tanto. A presença, a voz, o look, o carisma, o setlist… Tudo parecia um sonho. Quando não podia melhorar, ela foi lá e fez: cantou Uninvited (que também é trilha de Cidade dos Anjos). Rezou a missa e o terço. Nós, millennials amargas-românticas, saímos de alma lavada.
Por último, no final de semana passado atingi um dos auges da minha jornada musical. Até Robert Smith pisar no palco, guardei minhas expectativas, queria ver para crer, não podia tirar onda antes da hora – tantos cancelamentos e tragédias tivemos em shows internacionais no Brasil este ano, não dava pra arriscar, né? Eis que surge o homem, o último romântico, o triste mais feliz que pisa na terra, o cantor e compositor que embalou inúmeros momentos na minha vida desde a adolescência: ele mesmo, Robertinho. Não escondi a emoção quando os primeiros acordes de Pictures of you apareceram e pulei como uma cabritinha em Just like heaven. Meu corpo ainda sente as consequências de sustentar um dia inteiro no sol do autódromo de Interlagos, mas valeu a pena cada segundo do espetáculo verde azul enevoado do The Cure.
Essa breve retrospectiva foi para documentar as visitas ao passado que os shows me permitiram e também a atualização no presente de que a música tem o poder de nos fazer sentir. É incrível poder ter acesso a uma faísca do que acho que sei sobre mim, entre letras e melodias que alguém que nem me conhece desenhou. É emocionante estar em coro, suados e exaustos, com tantas outras pessoas que, dentro de seus corpinhos, sentem e pulsam suas próprias experiências com o tempo. Nesses shows, acessei pistas sobre aquilo que me dá nome, contorno, forma. Vivendo a música ao vivo, tenho certeza de que minhas bordas são feitas de palavras e de música.
Sobre o lançamento de “Caminhos curtos para caracóis” na Livraria Ponta de Lança na última sexta-feira: foi incrível. Um dos dias mais felizes deste ano, de fato. Contei com a presença de pessoas queridas, de algumas até então desconhecidas, de meus pais e meu companheiro. Vou repetir o que disse no instagram: o encontro presencial é insubstituível. Obrigada por todos os abraços no dia primeiro de dezembro de dois mil e vinte e três. Um belo começo de fechamento para um ano de intensidades.
Drops:
Antigamente, as pessoas novas pareciam mais velhas? Esse cara levanta boas pistas sobre nossa percepção sobre o tempo através de fotos e vídeos;
Pra mim, quem ganhou o Jabuti foi o Geovani e seu Via Ápia. Mas pelo menos temos Prisca Agustoni ganhadora do Oceanos!
Ainda sobre prêmios, o
fez um texto massa sobre ganhá-los ou não;O
fez seu testemunho de como é ser jurado em prêmios literários;Exalto aqui minha colega Andreia Fernandes, uma das ganhadoras do Prêmio Carolina Maria de Jesus, do MinC! Feliz demais de estar perto de mulheres que escrevem <3
um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Se é que tenho um vício, é lavar a alma em shows. No últimos anos, com maternidade demais e dinheiro de menos, andei perdendo muitos. Mas, da sua lista, pude vivenciar os BSB no Allianz e há algo de lindo em compartilhar essa nostalgia coletiva. Quero viver isso até de cabeça branca!
que delícia de retrospectiva! música sempre ajuda a embalar tudo de uma maneira tão bonita!