Até gosto de fofoca, mas o que curto de verdade são os segredos. Quando alguém me confia uma história e pede para não contar para nin-guém, meu coração palpita de felicidade. Não sei explicar direito porquê, me sinto apenas uma grande entusiasta de segredos, que me trazem um gosto fresco e doce em ser depositária de algo precioso. Dá pra se perguntar se quando a gente conta um segredo ele deixa de ser secreto - altos diálogos comigo mesma sobre isso - e por outro lado, também acredito que é nas relações íntimas e profundas de amizade e companheirismo, onde os segredos encontram seu lugar de morada: um baú bonito, talhado à mão e chave dourada.
Durante a pandemia, como muitos de vocês, assisti a inúmeras lives no instagram e uma em especial me marcou muito, com duas artistas - Bianca Lanu e a outra eu esqueci :( - que me apresentaram a origem das Arpilleras, bordados chilenos criados durante o período ditatorial no país, que através da arte registraram e contaram ao mundo, com resistência e criatividade burlando a censura, o que acontecia no território latinoamericano nas décadas de 1960. Conhecer as Arpilleras, criada por mulheres em resistência, me lembrou de outro aprendizado de anos atrás, na época em que estudei mandarim, sobre a possível origem dos biscoitos da sorte na China. Segundo minha professora, nascida e criada em Taiwan, uma das hipóteses sobre a mensagem no biscoito é que os papéis dentro do quitute viajavam de um canto para outro no território chinês para levar notícias e informações sobre as disputas territoriais. Em ambos os casos, segredos viajantes, confiados de mão em mão, até o depósito final: um lugar seguro.
Antes de publicar meu livro, bati muito a cabeça por aí. O mercado editorial ainda muito fechado e elitista - y otras cosas más - não me dava brecha para entrar e por vezes de tão impossível, eu desisti. Não existem pistas fáceis por aí, compreender o tal mercado é quase uma busca arqueológica e eu só queria escrever sabe? Esses tipos de segredos não me trazem aquele gosto bom na boca e muito menos o quentinho no coração. Eles me irritam e me fazem querer gritar ou fazer o Didi Mocó. Sei que precisava amadurecer e organizar minha escrita antes de publicar um livro, mas, será que não dava pra ter feito isso sabendo os passos a posteriori? Bater a cabeça dói, faz galo, faz a gente ficar maluca. Desconfio tenho certeza que só alguns não desistem: são exatamente aquelas pessoas que sabem como chegar lá e chegam. Quem serão? Ganha um doce quem acertar.
Ter ido a FLIP pela primeira vez e nessa oportunidade ter levado meu livro, me fez encarar novamente esse processo de publicação e também a estrada anterior a ele, a minha vida com a literatura. Andar naquelas pedras escorregadias, com um pé machucado e outro cansado, me trouxe imagens como a professora da alfabetização, os elogios aos textinhos no ensino fundamental, as críticas ao excesso de poesia nas dissertações no ensino médio, os textos que eu escrevia nos diversos blogs nos anos 2000, os caderninhos companheiros de todas as bolsas… Tudo isso girando entre meus meus tico e teco, misturados aos encontros com gente que eu só via na minitela do telefone-esperto ou nos avatares das newsletters. De repente, PÁ: todo mundo em 3D, com voz, cheiro, carne. Que sensacional, que delícia, que tudo! - eu repetia pra mim mesma enquanto, eufórica, tentava organizar os pensamentos para não falar demais sobre mim. Não sei se funcionou muito, mas eu tentei! E também, hoje, dias depois, não sinto que preciso pedir desculpas por isso: não é segredo que eu gosto de transbordar.
Durante a feira, fugi da programação oficial, como minha amiga Rafaella indicou e busquei as pequenas casas salpicadas pela cidade, com propostas mais intimistas e com espaço para fazer perguntas. Sou daquelas alunas que sempre vai levantar a mão porque eu tenho muitas dúvidas (ainda bem!) e pude falar diretamente nos olhos de quem admiro e ser acolhida no questionamento. Eu, que trabalho com escuta ativa e acolhimento irrestrito, sinto falta de momentos menos disponíveis pro outro e mais abertos pra mim. Estar na feira também foi ter colo, ser cuidada, ser vista e ouvida. Como controlar a euforia desses encontros?
Poder levar meu livro para conhecimento de um grande público, junto com 21 mulheres escritoras, integrantes do Coletivo Escreviventes, foi poder exibir meus Primeiros Pedaços pela primeira vez em evento daquele porte. Observar as pessoas abrindo o livro, interessadas nos meus processos e trocando informações - segredos! - sobre o universo literário. Mais do que emocionante, essa oportunidade como escritora foi um marco. Dividir o espaço com tantas mulheres interessantes, vindas de todo o canto do país, com seus trabalhos maravilhosos… Nem sei. Ou sei: fazia muito tempo que eu não me sentia assim, tão feliz, comigo e com o mundo. Lendo relatos por aí, no pós evento, o sentimento é parecido. E afinal de contas, a gente merece muito essa felicidade!
Sinto que destravei parte dos segredos que me emperravam no caminho literário: o que fazemos, fazemos juntas. Desde os biscoitos chineses, passando pelas arpilleras e chegando a Paraty em 2022, a mensagem que traz gosto bom na boca, sorriso nos olhos e coração aberto são os encontros, onde as palavras escritas tomam forma em voz, corpo e muito afeto. Que segredo gostoso de contar aqui!
Links delícia sobre FLIP e otras cositas más:
Documentário sobre o Coletivo Escreviventes
Eu também senti medo antes de ir pra feira, como Bárbara
Minha avó queria ser escritora, a da Marina também (talvez)
O melhor retrato da Marina Firmina dos Reis, por Luisa
Minha amiga da moqueca de palmito, Cassimila, também relatou
Espanto e deslocamento, um bom retrato da feira pela Carol
Os livros que trouxe do evento, contei aqui
Compre meu livro, Primeiros Pedaços, diretamente comigo pelo email: oi.pmescreve@gmail.com
Ainda dá tempo - pouco - de receber meu cartão de final de ano. Mais informações aqui nesse reels
Um abraço e nos vemos na próxima edição,
paulamaria.
Achei muito carinhosa a descrição que você fez sobre falar e escutar segredos!
conheci as arpilleras com Violeta Parra, é uma arte encantadora. e que lindo teu relato! a programação paralela da Flip é cheia de tesouros, realmente foi nela que me senti mais concentrada e mais me envolvi com os temas e os autores. só fico pensando na nossa próxima Flip <3