Na corda bamba de sombrinha
Polar privacidade/ Que uma alma dá para si própria -/ Finita finitude. (Emily Dickinson)
Alguns anos atrás, quando eu ainda tentava ser uma ‘produtora de conteúdo’ sobre psicologia, saúde, bem estar e outros temas afins, surfávamos uma onda da busca pelo equilíbrio. Quero dizer que ‘buscar equilíbrio’ era a bola da vez, o modismo a ser explorado. Cursos de mindfulness, rodas de cura, livros de autoajuda mais bacaninhas e claro, sempre elas, as frases de efeito para a respostagem em exaustão. Toda segunda feira era dedicada para a produção de textos e imagens para o feed do Instagram. Foi o momento em que aprendi a usar o Canva e suas gambiarras e a programar as postagens num desses sites pagos. Diziam que isso me traria visibilidade e que eu poderia angariar mais clientes para o consultório - coisa que não se concretizou. Foram quase três anos postando religiosamente, incluindo vídeos no stories e no falecido IGTV (atual reels). A pandemia veio e eu até tentei continuar, mas foi impossível passar por um momento histórico na quadra da história do Brasil - perdão pela redundância.
No último emprego de carteira assinada também me dediquei bastante. Ocupava uma função muito diferente do que tinha trabalhado até então e era gostoso aprender coisas novas, uma dos meus interesses favoritos. Costumo me abrir para desafios rapidamente. Repito, às vezes sem pensar muito: ‘tá tranquilo’, ‘tá de boa’, ‘tudo bem’. Comecei nesse emprego apenas três dias depois de operar de vesícula. O recomendado são quinze dias de repouso, mas um emprego de escritório não seria tão difícil, não é mesmo? Lembro de pescar - fechar os olhos um pouco mais longo do que uma piscadela - e minha ex chefe me olhar feio, como muitas outras vezes. Foram quase três anos topando desafios muito maiores do que eu, inclusive uma situação em que fui ameaçada e tive que, mais uma vez, ficar tranquila.
Sei que parte da responsabilidade do que acontece comigo é minha. É o contrato de letras miúdas que a gente não tem como escapar chamado de vida adulta. Sei e com essa parte já fiz minhas pazes. Contudo, tenho repensado na maneira como lido com os monstros, as adversidades, os absurdos e as desgraças que acontecem. É claro que não sou diferente de ninguém e, mesmo achando que ‘deus tem suas preferidas’, preciso aceitar que o bendito do equilíbrio é uma grande falácia, que não está tudo bem, que não ‘tô de boas’. Percebo que há anos funciono num modo de alerta e ele me faz muito frágil por dentro, mas produz uma casca espessa do lado de fora. Me chamam de forte e corajosa. Não refuto tais elogios, sinto sim que coragem e força são características que me acompanham. Mas é preciso escutar, preciso escutar a mim mesma nesse mar de palavras que tenho gosto de habitar.
Hoje o tal do equilíbrio saiu de moda e nadamos em outra tangente: tá tudo bem o desequilíbrio. Como profissional de saúde, arregalo os olhos diante do tsunami de desinformação, pânico moral e despreparo social para lidarmos com nossos problemas, cada vez mais complexos e cada vez menos levados à sério. Desisti de ‘produzir conteúdo’ mas não de comunicar meus interesses, inquietações e provocações. Num barquinho de papel pintado com tinta à prova d’água, navego como a maioria das pessoas, na deriva de nossos tempos, me dizendo constantemente que não tenho controle de quase nada. É na escrita que encontro a baía tranquila e o porto seguro para ancorar. A escrita me dá espaço para a dedicação, para o desafio, para desbravar. Nela também posso assumir os meus limites, posso dizer que não está tudo bem. Quando escrevo, já não sou mais eu mesma, o texto já não é meu e quando percebo, a tempestade no mar de palavras passou. Vê? Ali já aponta um raio de sol na linha do horizonte.
Drops:
Quem cuida do cuidador? Bom texto no portal do Dráuzio Varella
Chico Buarque fez 80 anos e montei uma playlist com os amigues Valekers
Livros de autoajuda bacaninhas - abra sua cabeça para leituras não cabeçudas:
Grande Magia, Elizabeth Gilbert (Ed. Objetiva)
A coragem de ser imperfeito, Brené Brown (Ed. Sextante)
Silêncio na era do ruído, Erling Kagge (Ed. Objetiva)
Calma, The School of Life (Ed. Sextante)
A arte de pedir, Amanda Palmer (Ed. Intrínseca) - meu preferido!
Talvez você queira conversar com alguém, Lori Gottlieb (Ed. Vestígio)
Um domingo de junho, a carta bonita da
Semana que vem é meu aniver, se quiser me presentear (não custa tentar), a lista de livros tá aqui
Se você é ou conhece alguém que quer começar no mundo das newsletters, vem comigo? Montei um esquema de aulas individuais para dar esse empurrão que às vezes todo mundo precisa. Detalhes aqui:
Se gosta do que escrevo:
🪙colabore no apoia.se
💳considere a assinatura paga
📖leia meu e-book por apenas 1,99
🫶🏽me acompanhe no instagram
💌 espalhe a palavra da news para sua rede
Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
linda a colagem <3
Eu acho muito injusto o que cobram dos psicólogos, que eles sejam sempre calmos e fortes, não podem sofrer parece. São seres humanos como todo mundo!