Oi!
Antes do texto, um convite para a próxima terça feira, 06/05:
Para gostar de poesia
"Não sei ler poesia". "Não gosto de poemas". "Não entendo nada". Esse é um convite para algo que hesito, mas chamarei de aula. Para gostar de poesia é um encontro inicial para interessados sobre o tema, inclusive você que não gosta de poesia ou acha que não entende. Quero me aproximar de quem ainda não descobriu o caminho para o próprio fingimento, a maneira própria de se deixar tocar pelo estado da poesia. Dos clássicos gregos à poesia de cards de Instagram, espero vocês para um encontro com nossos outros <eus>.
Memória
O caminho das lembranças muda infinitas vezes. Por mais que você acredite que, para acessar aquele dia no verão de 1998 basta pegar a foto do álbum guardado no armário de metal no quarto do meio da casa dos seus pais. Um belo dia, vinte anos depois, você vai tentar e falhar vergonhosamente. A lembrança daquele dia desapareceu de lá, exatamente de onde você tinha as suas maiores certezas. Eis que depois de uns meses, no meio de uma tarde xoxa de meia estação, dessas que chove mas não molha, em que o cabelo está horrível cheio de frizz dos ruins e sua cara com uma espinha enorme de adolescente mesmo você aos quase quarenta, chega ao nariz o cheiro da loja de bolsas de couro do shopping vitória que vai te dar uma rasteira mais filhadaputa do que aquelas que você levava na aula de educação física quando tentava jogar handball. Você vai chorar enquanto tenta fazer uma folha idiota de exercícios sobre o presente do subjuntivo em espanhol. Vai querer quebrar umas coisas, mas a casa é sua e você gosta das suas coisinhas. Vai desejar espernear como criança mimada, mas sabe que ninguém vai te levantar do chão e te levar pra tomar sorvete. Vai engolir o choro, limpar o ranho do nariz na barra da camiseta e seguir fazendo o diabo do exercício porque a aula é amanhã e a professora vai corrigir chamando alunos pelo nome.
Infância
Todas aquelas pessoas velhas agora parecem ainda mais velhas e você não entende como, de repente, também está caminhando para lá – esse lugar no futuro. O primo de vovó tem 94 anos e ainda dirige de Vila Velha até Guarapari, que ousadia. O outro continua com medo de entrar em cemitérios, quando vai a enterros, sai andando de costas para não ser perseguido pelos mortos. A vizinha da rua de casa trata os dentes com minha prima, que até outro dia ainda cumprimentava o pessoal da rua com um <boa tarde, tia>. Os vizinhos do terreiro ao lado da casa de vovó vão vender o terreno e nem deu tempo de espiar o baticum que tanto me intrigava. Quero saber cada vez mais sobre essas pessoas, da família, da rua, da cidade, das épocas que não vivi ou que ainda não sabia que vivia. Saber de quando o mundo ainda não era da minha altura, quando meu avô não deixava mexer nas gavetas do escritório, mas o outro avô abria seus armários, seu sorriso e sua casa pra gente almoçar todos os dias – o chato era mudar o canal da TV do desenho pro jornal da primeira edição. Eu reclamava sim e também sentia o frescor tão livre do vento nos quintais, os de pássaros engaiolados e do de pássaros livres. Ainda não parei de crescer, mas parece que o tamanho não muda muito mais.
Sonho
O símbolo do amor é o tempo, diz a moça que canta gentilmente nos meus fones de ouvido. Outro dia uma amiga me perguntou se sonho com ex-namoros e eu disse que com muita frequência e que alguns sonhos são inclusive recorrentes. A casa de um ex-namorado sempre reaparece quando estou em épocas mais aflita e muito triste. Na repetida cena onírica, visito seus pais em situação de festa, não entendo muito bem o que acontece, a gente não se fala muito, mas ele me olha e diz sem dizer: vai ficar tudo bem. Também sonho com a casa onde cresci, com a escola e uma reprovação em matemática que nunca aconteceu. Outro sonho recorrente é uma excursão com toda minha família, no qual estou sempre atrasada indo buscar minhas malas num quarto distante do ônibus que me aguarda para partir. Nunca partimos, sempre acordo antes. Talvez o símbolo do amor seja o tempo, porque nos sonhos ele não existe, tudo pode acontecer sem prazo de validade.
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Memória, infância, sonho foi minha proposta-tema para o newsletteraço coletivo organizado num grupo de escritores de news do Telegram. Confira os demais participantes:
Victória escreve a resenhas que ninguém pediu
Lethycia Dias escreve a Uma mulher que escreve
Leon Nunes escreve a O Substack de Leon
Júnior Bueno escreve a cinco ou seis coisinhas
Lívia Reis escreve a Colcha de Retalhos
Danilo Heitor escreve a Antes do fim
Fernando Alves escreve a Futebol no Fim do Mundo
Paula Maria escreve a te escrevo cartas
Cadu Carvalho escreve a Tipo Aquilo
Denise Gals escreve a Aprendiz de Escritora
Karine Canal escreve a Kverso
Patricia escreve a Uma com a Terra
Mia Sodré escreve a Querido Clássico
Drops
Edições de newsletter:
Baseado num podcast de relato real, a série Dying for Sex é uma joia
Quem velará nossos mortos, texto importante do Morte sem Tabu
Bestiário Brasileiro pelas irmãs Cecília e Beatriz Garcia
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um abraço,
paulamaria.
Eu amor ler Paula Maria. Sempre destrava umas coisas aqui<3
Que lindo texto <3