eu não vou salvar o mundo,
nem se nunca mais pegar
um canudo e tomar um drink
do pior jeito com o gelo
encostando na ponta do nariz.
tenho que repetir esses pensamentos
como fossem orações
como se rezasse um terço
porque não existe tamanha boa vontade
(nem penitências)
que traga de volta o que já não existe.
Confesso que hoje pensei em não escrever essa edição. Abri o editor de texto algumas vezes, fechei todas as meia dúzia de tentativas. Visitei textos antigos, fui longe, lá no ano já esquecido de 2015, mas achei melhor não replicar algo que não se parece nem um pouco mais comigo. Tenho feito muitas escolhas no último mês e finalmente o cansaço está <quase> vencendo. O corpo, exausto e chateado, pede isolamento e silêncio. Nessas horas eu constato, mais uma vez, como São Paulo é barulhenta, como é doloroso estar longe da maioria das pessoas que amo. Em um aplicativo de conversa onde diariamente troco memes, baboseiras e divagações sobre a existência, o grupo constata: faz sete anos que não nos reunimos. Não há previsão de quando isso poderá acontecer. Brinco dizendo que é obrigação do Felipe Neto reunir essa galera que se ama e que tem sobrevivido a tantas tragédias, pessoais e sociais. Brinco, mas falo sério. É muito louco ter que sonhar com o patrocínio de um influencer, mas nada parece absurdo se o ano é 2024.
Estou organizando a retomada aos trabalhos e a newsletter faz parte dele. Levo à sério o compromisso com essa escrita semanal e sei que estou em dívida com a edição extra mensal – peço perdão, tudo será entregue assim que tiver um alívio de tempo, infelizmente as horas do dia são finitas. Pensando bem, é bom poder contar com esse limite: o dia dá o suporte das bordas, preciso entender que <não poder mais> é para <conseguir poder mais depois>. Esbarrei em muitas paredes, em muros intransponíveis. A exaustão sentimental nos coloca em choque anafilático da ideia que temos de nós mesmos: você não é do tamanho que pensa. É uma reação quase fatal: estou sufocando, mas peraí, falta pouco, me deixe terminar. Olho no espelho do elevador, que deforma à certa distância e digo: algumas coisas podem ficar para o dia de são nunca, à tarde. Respiro fundo, é final do dia novamente. A memória me sacaneia mais uma vez: um cheiro, uma palavra, a risada. Choro quase sempre sozinha.
Já sei que não vou salvar o mundo – quiçá não me salve nem de mim mesma. Contudo, tenho ruminado em maneiras de continuar e, por agora, o que consigo é continuar fazendo aquilo que eu já sei: leio nas pausas que o dia permite, assisto à série antiga pela primeira vez, ouço podcast sobre Galileu, tomo café quente e sem açúcar, respondo aos amigos no whatsapp, tenho ideias. Sim. Tenho ideias. Apesar de tudo, elas entrecortam o céu da minha tristeza. Agarro nos dedos finos e macios das ideias novas, frescas como pele de bebê. Agarro sem machucar, talvez seja mais uma espécie de carinho, pois tenho medo de perder (mais) isso também. Não vou salvar o mundo, mas sou obcecada em inventar modas e com elas defender a gentileza*, essa força que aparece até nos piores cenários, essa espécie de fé que faz brilhar até mesmo os olhos cansados de marejar.
Drops:
Estou lendo: Índice, uma história do. Dennis Duncan, Ed. Fósforo, 2024;
Estou assistindo: The Sopranos, comecei a segunda temporada, streaming Max;
Estou ouvindo: Vinte mil léguas, por Leda Cartum e Sofia Nestrovsk, que na terceira temporada, investigam a vida de Galileu Galilei;
Clube do Livro Quem Quer Ler: PRÓXIMO ENCONTRO segunda, dia 27/05 → Na intimidade do silêncio da Cíntia Brasileiro;
*Montei uma rifa solidária para o RS, todas as informações no post do Instagram abaixo. Até dia 30/05 é possível comprar bilhetes!
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Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Gosto sempre de te ler, seja em poesia, seja em prosa.
E amei esse trecho: "Olho no espelho do elevador, que deforma à certa distância e digo: algumas coisas podem ficar para o dia de são nunca, à tarde.".
Vou adotar o "dia de são nunca, à tarde".
Ter ideias é sempre um jeito de, em meio às dificuldades, honrar nossa existência <3