Semana passada fiquei devendo o texto, não consegui editar nada para enviar e resolvi não encasquetar muito com isso. Consistência precisa também de espaço para as falhas e… segue o jogo! Não sei se você notou, mas o cabeçalho da newsletter mudou! O nome ‘palavras da ilharga’ já não traduzia bem a ideia do que escrevo, senti que a referência ficou pessoal e antiga, e depois de discutir com meus divertidamente, decidi padronizar a news com o perfil no instagram e virei te escrevo cartas por aqui também. Diz aí se curtiu?
O texto de hoje, além de trazer a novidade do “rebranding” (não me cancelem!), também quero contar que irei participar pela primeira vez da Feira Literária de Paraty - a famosa FLIP! Estou muito animada, parece um evento interessantíssimo e uma oportunidade de ouro para encontros literários. Pessoas queridíssimas do mundo das newsletters como Ana Rusche, Babi Bom Ângelo e Carol Sandler já confirmaram presença. Na quinta feira a noite, participarei do lançamento da coletânea do Prêmio Off Flip de Poesia, no qual fui finalista. As inscrições para a edição de 2023 estão abertas até 10 de dezembro e além da poesia, também podem participar crônicas e contos. Se você for, me dá um alô?
Atualizações feitas, deixo com vocês um pequeno conto que escrevi no Mundial de Escritura no começo do mês. Foi a segunda vez que participei, é gostoso pra caramba e rende bons exercícios. Inclusive, no ano passado, reuni alguns dos textos que produzi no mundial e publiquei de forma independente o “Três mil todo dia”, um livro de pequenos contos com pitadas de autoficção. Se você assina o Kindle Unlimited, o livro sai de graça, se não, pode comprar na Amazon por R$1,99. Indico também que aproveite a promoção do Unlimited, uma assinatura que dá acesso a milhares de livros e que está com também por R$1,99, durante 3 meses. Peço para que se assinar, faça aqui pelo meu link de afiliada. Obrigada pela preferência. <3
A ficção ainda é um terreno desconhecido e até mesmo hostil para mim, mas sinto muita vontade em desbravá-lo. Esse texto é um rascunho, uma tentativa. Tendo isso em mente, leia com carinho.
Caminho das índias
Há muitas maneiras de dizer adeus, assim como muitas maneiras de terminar as coisas. Os finais podem aparecer depois de muito tempo do encerramento, pena que a gente não aprende até viver de fato. As coisas voltam pra mim agora duma forma que não experimento há três anos. Restos de pano, de dor, unidos a mim: (não posso dizer).
Passo o dia todo cortando, costurando e montando peças. Cortar, costurar e unir são meus modos de dizer adeus. Por muitos anos, fui incapaz de ser uma pessoa organizada. Só de pensar em parar e arrumar pequenas confusões, procurava meu sublingual para aliviar a ansiedade e acumulava pilhas e pilhas de cacarecos misturados. Não sabia organizar coisas nem pensamentos e sentimentos, era pura confusão, eu e minhas coisas. Certo dia, quando morava em Madarka, dormi profundamente à tarde, depois de lavar o quintal da mesquita. E então, quando acordei, uma memória incômoda espreitava em meu sono. Eu quero, mas não, eu não posso te dizer. Sinto vergonha de explicar o que aconteceu naquele momento, mesmo tendo sido importante. Foi um acontecimento decisivo e que me fez voltar para Nova Delhi. Amanheceu o dia seguinte sem eu ter fechado os olhos por nenhum momento naquela noite. Eu sabia que teria de voltar pra casa.
Naquele dia, resolvi dar uma volta no mercado central. Ao passar por uma das dezenas de lojas de tapetes, o senhor de bigodes largos e sorriso sem dentes me acena e eu concordo em entrar na loja. Entendo pouco do que ele me fala, parece que me pede ajuda para desembolar os fios do novelo que despencou da prateleira muito alta para sua estatura prejudicada pela idade. Me mostra apontando, gesticulando e cuspindo no tecido, os resquícios dos pontos que desmanchou no dia anterior. Me oferece uma xícara de chai recém fervido, tenho ressalvas (medo mesmo), mas me sento no pequeno banco ao seu lado e aceito a oferenda. Passamos horas nos comunicando através de retalhos de conversas, um pouco do que eu conseguia entender de suas palavras emboladas e outro pouco do que ele ouvia de meu hindu cheio de sotaque e erros.
No dia seguinte, voltei ao mercado e demorei horas para encontrar a loja de Dinesh. Meus olhos já doíam de tanto procurar pelo pequeno idoso de sorriso sem dentes. A cabeça espiralava na tentativa de recobrar na memória as pistas que me levaram aos tapetes bordados, quando sinto um pequeno puxão na ponta da blusa, me assustando por segundos antes de perceber que não era um furto nem assalto, era Dinesh que carregava duas marmitas com perfumes inebriantes. Fomos para sua loja, sentamos nos mesmos minúsculos banquinhos e comemos samosas, naan, palak paneer e um refrescante lassi de manga enquanto conversávamos sobre a linhas, tecidos, bordados e caminhos da vida.
Não tenho coragem de dizer como vim parar de volta a Nova Delhi nem como me despedi de Dinesh. Continuo com mau hábito de segurar no que não sei dizer adeus. Alguma coisa ficava me pedindo para ficar, até que algo aconteceu e eu não pude mais. A persistência das memórias, nas sobras da panela, me fazem companhia porque não deixo que me esqueçam de lembrar.
Um abraço e nos vemos na próxima edição (ou na flip),
paulamaria.
gostei da mudança! aguardando a edição sobre a flip hehe
amei <3