Anos atrás, decidi investir na carreira de escritora. Não era a primeira vez que eu tentava e não era através dos mesmos caminhos que eu tomava essa decisão, então, pensando bem, o gosto poderia sim, ser de uma primeira vez. À época, investir na carreira era perseguir o sonho de ser colunista na revista Vida Simples e/ou também me contentaria com uma oportunidade de escrever no caderno2 dominical do jornal A Gazeta. Quando decidi que esses seriam meus objetivos, era porque o que eu lia por lá parecia ser possível de ser escrito por alguém como eu, que já escrevia com certa frequência e publicava em blog e no Facebook e tinha bons retornos de quem me lia. Esses sinais me autorizaram enxergar possibilidade em ocupar aqueles espaços e então, tentei. E lembrar disso me fez querer escrever para vocês.
Cheguei a enviar e-mail para a editora da Vida Simples, me apresentando como fã da revista e grande entusiasta dos temas por ela abordados - a sala de recepção do meu consultório era cheio de exemplares. Como imaginei, nunca tive resposta, nem mesmo dessas automáticas. Sim, eu imaginei que nunca teria resposta e mesmo assim enviei, afinal, poderia acontecer aluma coisa. A minha bússola era própria, a autorização pra essa viagem era minha. Mesmo no vácuo, segui lendo a revista, desejando e buscando um lugar ao sol. Para o jornal local, o caminho parecia mais pedregulhoso. Era mais difícil tentar enviar um e-mail para lá do que para uma grande revista. Quem vem de cidade pequena sabe que ser vista só é possível com passaporte (o famigerado Q.I.) e apesar de conhecer algumas pessoas que à época trabalhavam lá, isso não significava nada. Não pra mim. E de novo, a autorização era minha, não deles. Segui.
Os sonhos se derretiam na minha frente e a autorização já não era tão fácil de segurar sozinha. Soma-se a equação a situação de barril em que eu estava, tentando terminar o mestrado, numa solidão acadêmica profunda - dentre outras tristezas, desrespeitos e desencorajamentos. Escrever uma tese, me apresentar para uma grande editora de revista ou imaginar escrever na coluna dominical da gazeta não pareciam impossíveis para mim, mas eu estava deveras cansada. E não digo isso garantindo a qualidade das coisas que escrevia, digo porque ao ser leitora, aprendi a admirar e me identificar nos textos alheios, e foi isso que primeiramente me autorizou a ser escritora. Então pouco importa se Sebastião Salgado tenha dito que "foto instantânea de celular não tem valor estético". Eu digo - para vocês e pra mim - que mande esse homem-branco-cis-hétero catar coquinho na beira da estrada e fazer o que você bem quiser da sua arte. Eu hein. Sei que só essa autorização pessoal não basta, claro. Voltando ao momento lá no passado, eu segui. E dessa vez, segui pra dentro.
Escrever só para mim é totalmente diferente de escrever para um público. Eu me autorizo ao uso da palavra e quero ser lida. Entre o texto que sai de mim e você que me lê, existe uma distância a ser percorrida. E para topar essa distância, além da autorização, precisava de coragem e disposição. E hoje, oito anos depois desse rolê revista/jornal/mestrado, estou disposta e corajosa. Entendi que essa distância não será uma corrida de 100m rasos, como o jornal local, nem uma maratona, como uma revista de grande porte. Se eu quero ser escritora, tenho que topar peregrinar, sem rumo definido, com ritmo, vigor e apoio durante toda a caminhada. Diferente de anos atrás, agora me sinto acompanhada, admirada e definitivamente inspirada pela paisagem que enxergo no caminho da escrita. Era isso, sabe? Era isso que eu queria sonhar viver.
Dia desses, assisti um vídeo da Elizabeth Gilbert em que ela comenta a diferença entre hobby, emprego, carreira e vocação. Em suma, a autora comenta que hobby não é algo necessário ou fundamental - mas tenha se quiser e não transforme ele em algo vendável (!). Já o emprego é uma necessidade e que não precisa ter a centralidade ou importância no sentido da sua vida - trabalhe porque você precisa se sustentar. A carreira é desmistificada e pode ser escolha - o que significa que nem todo mundo vai ter e ‘tá tudo bem’. Mas a vocação, meus amigos, a vocação é uma bússola guia para produção de sentido pra vida. A palavra é meio mística e parece precisar de profundidade para que você encontre a sua, contudo eu te diria para ir com calma e investigar, com generosidade, o que você faz e te acompanha há muito tempo, talvez desde sempre… A minha vocação, como a de Elizabeth, é escrever. E não, não estou me comparando a ela, mas enxergo a autora na paisagem do meu caminho, ela me acena, sorri, e continuamos nossas jornadas.
Queria ter visto esse vídeo anos atrás, antes mesmo de me formar ou de escolher um curso de graduação. Queria ter entendido mais cedo essa distinção importante entre o que é carreira, emprego, vocação. Queria ter acreditado mais nas pistas que encontrei pelo caminho e que deixei de lado durante esse tempo. Conjugar o querer no passado me soou estranho na repetição desse texto. Não posso querer pela pessoa que fui tanto tempo atrás. Os quereres da paulamaria em 2014 eram genuínos e faziam sentido para essa pessoa que já nem sou mais. Uma vocação que adquiri nos últimos tempos é abraçar as mudanças inevitáveis com carinho e respeito à minha história - o que inclui as histórias de quem me cerca. Quero, no presente, que este texto chegue até você, meu público tão desejado, com o frescor de um convite para passeio a um lugar desconhecido. É sexta feira e esse é meu #sextou.
Essa arte da Thaís é uma das inspirações do texto de hoje
Vídeos da bichinhos acalmam meu coração, principalmente esses
Hilda (<3) e sua batalha para ser lida quando viva
Ainda tenho vagas na Oficina de Escrita que farei no dia 27 desse mês
A revista a.galinha segue com chamada aberta para envio de poesias e artes visuais até dia 31
Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria