Dobrando o flop
apostar no fracasso é ignorar de onde viemos
Oi!
Na semana do saco cheio da Usp (duas vezes ao ano, ficamos sem aula por cinco dias), escrevo uma edição que parece reclamação, mas é quase uma elaboração pós análise. Fazia tempo que um texto mais pessoal não aparecia aqui, é sempre um risco… De baixo impacto, mas ainda assim, um risco.
Das duvidosas autorias da internet, deixo uma frase atribuída ao saudoso Luis Fernando Veríssimo, que nos deixou na última semana:
A vida é a melhor coisa que eu conheço para passar o tempo.
Obrigada por passar tempo comigo. Boa leitura!
Memórias póstumas de Brás Cubas, o romance mais bombado de Machado de Assis (nos últimos anos na internet) termina assim: E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: — Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria. Nosso protagonista, o curioso Brás, passa uma vida inteira buscando conquistar coisas e falha, miseravelmente, todas as vezes. Como é costumeiro na obra machadiana, a caracterização dos personagens masculinos ronda essa <busca do ser>, com traços de aparente racionalidade e consciência do mundo, que, por outro lado, influencia diretamente em vidas desconfiadas, vazias e isoladas em suas mentes. Aqui, na minha humilde visão de estudante, os homens fracassam exatamente pelo pavor de tentar. Evitam o risco, acham que podem prever os próximos passos das pessoas e do mundo, e assim acabam por viver uma vida toda sem viver. O verme que roeu as carnes de Brás Cubas que o diga.
Umas semanas atrás fui acometida pela sensação chatérrima do flop, essa expressão internética para o fracasso ou a falta de audiência. A exigência do sucesso, da viralização e da monetização é difícil de ser driblada, principalmente quando se é uma trabalhadora autônoma. Penso nos escritores e artistas que tinham seus <trabalhos normais> e deixavam a arte e a literatura para os espaços de agenda. Claro que isso faz muito mais sentido em outros tempos… Se pensarmos que Machado era um servidor público do século retrasado, não é difícil perceber o abismo entre seu tempo e os nossos. O texto poderia se encerrar em <é tudo culpa do capitalismo>, e é, mas quero continuar. Vamos elaborar esse flop.
Desaplaudida (como amo esses novos adjetivos!), fui conversar com um amigo que de antemão me dava a certeza de acolhimento. Uma dica para esses instantes de <visita à coitadolândia> é procurar quem não vai te achincalhar e nem passar o pano. Busque, no seu arcabouço de contatos, alguém para dividir sem vergonha e tenha abertura para receber os comentários porvir. Sei que nesses momentos a vontade é de choramingar ao máximo, é de se sentir mesmo o farelo do biscoito… A vontade de receber uns elogios para curar o desaplauso é real, mas também pode ser uma armadilha porque não resolve o problema inicial: de tempos em tempos, você continuará visitando a <coitadolândia> e o ciclo do biscoito é viciante. Abrir-se para uma conversa franca pode ser uma saída para ser cuidada ao mesmo tempo em que confronta a realidade — as duas coisas não são excludentes. Esse amigo, com humor e elegância que lhes são comuns, disse: o flop é a linha de base. Isto é: o flop é de onde quase todos nós saímos.
O que fica na superfície dos dias na atualidade é 8 ou 80, sucesso ou fracasso. A nuance, a sutileza, o entremeio: parece que acabou, que não é mais possível pensar fora de extremos. Claro, isso não funciona apenas ao que fazemos profissionalmente… A infeliz realidade é que do shape ao papel familiar, passando pelas notas da faculdade e pela retrospectiva do Spotify, todo mundo está na performance. Ou na imagem dela. Talvez eu esteja desatualizada nos termos, ainda não li nada do que nos diz Byung-Chul Han… Porém acredito que tanto a sociedade do espetáculo do Debord e do controle do Foucault ainda tenham bastante relevância pra nós. A mistura desses dois mais o cansaço do Byung-Chul Han pode trazer uma pequena luz para o buraco onde nos enfiamos. Pensando assim, faz muito sentido o que meu amigo me trouxe. Saímos do flop, ele é a referência, o ponto de partida. Oscilar para qualquer outra coisa é o que importa, mesmo que o famigerado <sucesso> não chegue. Sair do flop já é muita coisa.
Com licença poética e autorização do autor, cito parte do papo com o amigo: “Todo mundo fracassou, todo mundo foi bem sucedido. A gente que fica ansioso e doido e acha que tamo mal demais, mas tá todo mundo mal, ninguém dá conta de nada etc”. No <etc> cabe uma renca de coisas, inclusive o quanto a gente se esforça e não se sente esforçado. No quanto enche os dias de troço e, extenuados, achamos que dava pra fazer mais. Aí não tem mais suco de vida nas veias, adoece, perde a mão em qualquer sensação de conforto, chora sozinha e se culpa por não ser uma influenciadora valorizada (exemplo meramente ilustrativo). Depois desse papo reto com meu amigo e de terminar a leitura de Brás Cubas, tomei um chá de realidade e percebi: poutz, mas só fracassa quem nem tenta. Eu sei, <obviedades>. Mas não é disso que a terapia é feita? De dizer em voz alta aquilo que já se sabe desde sempre? Às vezes a voz é de um amigo, às vezes, de um defunto literário contando sua vida enfadonha. Vai saber onde nascem as epifanias.
O carteiro trouxe
Histórias de amor do novo milênio - Can Xue, com tradução: Verena Veludo Papacidero, Editora Fósforo
Uma das mais proeminentes escritoras chinesas contemporâneas, Can Xue é com frequência comparada a Kafka, pois, assim como ele, construiu uma obra fundada em premissas próprias, capazes de levar sua literatura a lugares aonde nenhum outro escritor chegou. Finalista do International Booker Prize, é seu romance mais celebrado e conta a história onírica e bem-humorada de uma miríade de mulheres insaciáveis que estão em busca de prazer e do direito à felicidade numa cidade industrial precária.
Te dou minha palavra - Noemi Jaffe, Cia das Letras
Neste novo trabalho, a escritora faz de sua própria infância e adolescência a matéria-prima da narrativa. Filha de sobreviventes da Segunda Guerra, ela atravessou uma juventude turbulenta, mediada tanto por descobertas políticas e sexuais quanto pela cultura questionadora que a formou.
O congresso de Literatura - César Aira, tradução de Joca Wolff e Paloma Vidal, Editora Fósforo
Leitura obrigatória numa das disciplinas que curso no Espanhol Usp, é uma fantasia cômica de ficção científica de primeira ordem. A novelita é o veículo perfeito para César Aira assumir o controle da literatura no século 21. A edição conta ainda com um posfácio inédito da escritora e pesquisadora Ieda Magri.
(textos adaptados das divulgações das próprias editoras)
Agenda
Em setembro, teremos dois encontros. O livro de julho, Viver e traduzir de Laura Wittner, será trabalhado num aulão, com a participação de Luiza Leite Ferreira e Tatiana Guedes, no dia 17/09. Mais para o final do mês, no dia 29/09, leremos Oração para desaparecer, de Socorro Acioli. Você já sabe, mas vale lembrar: os encontros são gratuitos, aproveite!
Drops
Se você ainda não me acompanha no Instagram, convido a dar uma olhada nos vídeos que tenho produzido
Salvei lá daquela rede:
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Um abraço,
paulamaria









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Adorei a reflexão, fracassar é sempre uma possibilidade (e acho que tem que ser). Se não há possibilidade de fracasso, não há risco, sem risco não há desejo? Algo que faz um pouco de sentido na minha cabeça.
Por aqui, eu tento focar no desejo, que é o que me move. O fracasso as vezes vem de brinde.
Beijinhos
Já estava na Bíblia: "Do flop viemos e ao flop voltaremos". 🙏