(esse texto já foi publicado em julho/2022. quando fiz a importação do tinyletter para a substack, ele ficou pra trás. como chegou um monte de gente depois disso aqui, vale a repostagem. semana que vem volto com texto inédito!)
Minha cor preferida é rosa. Cumprindo exatamente a profecia do que se espera de uma criança menina, fiz jus ao paradigma ‘meninas usam rosa e meninos usam azul’. Mas, contudo, todavia, rosa ser minha cor queridinha não passou apenas pelos brinquedos femininos da sessão das lojas Dadalto. Quero contar como que cumprir uma profecia foi por vezes desconfortável, até quando pagavam todos os meus jantares. Calma, vai fazer sentido, eu prometo. Como diz aquele imã de geladeira: de perto, ninguém é normal.
São muitos os indícios dessa preferência pelo cor-de-rosa ao longo do meu crescimento. Lembro direitinho duma roupa tipo conjuntinho que eu amava escolher quando pequena. Era blusa com saia short rosinha com corações azuis e eu amava colocar quando ia pro Clube Libanês nos finais de semana. Também adorava os brinquedos da Barbie e os filmes da sessão da tarde tipo a Garota Rosa Shocking e Clube dos Cinco. Adivinha quem eu queria “ser? Sempre as personagens interpretadas por Molly Ringwald, claro. Pink, it was love at first sight, me canta Steven Tyler.
Na quinta série do ensino fundamental, tive uma professora de artes chamada Martha. Ela não era muito divertida - por que diabos uma professora deveria ser divertida? - e eu adorava suas aulas. Com Martha, aprendi a copiar desenhos em escala, a fazer meus primeiros mosaicos e conheci artistas brasileiros como Heitor dos Prazeres e Alfredo Volpi - que recentemente vi numa mostra linda no MASP . Em suas obras, lá estava minha querida cor de rosa, acompanhada de outras pinceladas de outras cores que também se tornariam a minha paleta pessoal. Cabe frisar que cumprir o destino das meninas cor de rosa também não veio por imposição familiar. A construção do meu amor pela cor foi, claro, influenciada pelas coisas e experiências que tive acesso e por mais que os brinquedos ‘femininos’ fossem mais fofos e cor de rosa, vejo que era não 'só' por isso que me prendia na paixão pela cor. Tinha algo a mais. E só mais tarde entendi o que era. Rita Lee canta e ouço (hoje com ressalvas): Por isso, não provoque / É cor de rosa choque!
Na primeira casa de adulta independente, tive uma parede cor de rosa, que ficava atrás da minha cama. Tal parede foi pintada dessa cor por conta de um engano: a ideia era usar o restinho da tinta verde que sobrou da obra do consultório, mas na confusão entre latinhas de restos de outras obras, que a família guarda no quintal de vovó, veio outra lata, com a tinta cor de rosa. O que não seria um problema à primeira vista, pensando que rosa é minha cor favorita e que combinaria com os móveis e a decoração. Acontece que o rosa era a minha cara e ser a minha cara era demais pra quem estava comigo naquela casa, naquele momento, naquela confusão inocente.
Faço um salto duplo twist carpado e chego em 2022 e na polêmica do ator que se sente explorado por pagar um jantar num date qualquer. E aí você deve estar se perguntando o que raios tem a ver a muquiranice do global com meu gosto por cor de rosa. Pois é, a parede pintada de rosa por acidente trouxe à tona questões profundas e relacionais. A parede rosa foi o meu 'quem paga o jantar'. Calma, vou tentar mais um pouco explicar o que quero dizer... As coisas são mais complexas do que parecem.
Dividir as contas num relacionamento é um tema espinhoso porque falar de dinheiro é dolorido e todo mundo é trabalhador (tô assumindo que ninguém aqui é herdeiro, se você for, me avisa pra me fazer um baita pix?). Assim como rosa é de menina e azul é de menino, parece que a sociedade também entendeu que quem usa azul vai ganhar mais dinheiro e deter todo o poder de decisão mundo afora - aí as pessoas que usam rosa que se virem. Acontece, como disse acima, que tudo é mais complexo do que parece e se chegar bem perto, nada é normal. São muitas as maneiras como podemos fazer e refazer acordos nas relações, sejam elas passageiras ou duradouras. Se já entendemos que meninas, meninos e menines podem usar as cores que bem quiserem, podemos e deveríamos conseguir assumir outra postura diante do assunto dinheiro também. O vídeo do global muquirana cutucou a internet e fez um fuzuê de quem deve pagar a conta. Eu, humildemente aqui no meu cantinho da newsletter, acho que devemos é estar em relacionamentos onde esse assunto possa surgir de maneira segura, saudável e mutante. Ou virará uma parede rosa pintada por engano.
Talvez essa brisa do rosa com o dinheiro não faça muito sentido pra você que está me lendo. Confesso que é um texto difícil de contornar e ao mesmo tempo eu sinto uma vontade quase incontrolável de compartilhar ele contigo. Eu gosto de rosa porque construí uma relação afetiva com essa cor, tive a liberdade de experimentar muitas outras e no final fiquei com ela como a mais querida. O amor pelo cor de rosa e a defesa da minha parede - que foi pintada de branco, isso conto outro dia - se relaciona profundamente com outros temas muito caros para mim e principalmente o direito, inegociável, de ser respeitada na minha singularidade e de ser livre.
Eu "não poder ter uma parede rosa" corroeu algo precioso internamente, essa relação profunda com a liberdade. Nunca me relacionei com alguém rico e mesquinho como o global, mas já experimentei outras formas de pensar sobre dinheiro numa relação, já fui quem sustentava o rolê num namoro, já dividi tudo ao meio, já misturei meu dinheiro com o da outra pessoa, já fui apoiada porque quem tinha mais condições e já perdi todas as economias porque eu gosto de rosa. Nessa última, aprendi que rosa é a cor mais quente.
ÚLTIMA CHAMADA!
Se a palavra faz a nossa carne e se ela precisa de tempo, que tal assistir um monte de gente interessante falando sobre isso? Neste final de semana temos o evento O Texto e o Tempo, para quem lê e escreve newsletters. Mediarei uma mesa no domingo de manhã e a programação está maravilhosa! Confira aqui. Temos vagas sociais GRATUITAS e para o público geral o ingresso é apenas 48 reais. Inscrições aqui.
Um abraço com cheiro de alívio e olhos marejados pelo fim de um longo e amargo pesadelo…
Nos vemos na próxima edição,
paulamaria.
Achei muito curiosas as conexões e os ganchos entre os temas que vc deu nesse texto!
a minha cor favorita sempre foi preto. minha mãe achava que era fase, mas aos 26 anos ainda só uso preto então talvez não seja kkkkk quando eu via Clube dos 5, eu queria ser a Allison, antes da "transformação".
adorei que vc citou a Pink do Aerosmith. isso me fez cair em um loop de vídeos deles que eu não via a muito tempo ❣