Um quadrinho salvo na pasta de imagens do meu antigo computador traz um bonequinho no balanço, sorrindo e acompanhado da seguinte frase, atribuída a Albert Einstein (vai saber): “criatividade é a inteligência se divertindo”. Pois bem… Já concordei com ela por muito tempo, não a toa mantenho a imagem no hd, mas hoje, numa versão muito menos idealizada da vida, algo me diz que não é bem assim que a criatividade funciona. Às vezes não tem nada de divertido ou inteligente nessa conversa. Pode ser só teimosia.
No dicionário Oxford, temos:
criatividade. substantivo feminino
1. qualidade ou característica de quem ou do que é criativo.
2. inventividade, inteligência e talento, natos ou adquiridos, para criar, inventar, inovar, quer no campo artístico, quer no científico, esportivo etc.
Também não concordo muito com essas definições. No livro ‘O Caminho do Artista’, Julia Cameron nos convoca a uma prática religiosa e devota da criatividade. Confesso que esse tom me fez desistir da leitura na metade do livro, mesmo à época estando acompanhada por um grupo em encontros semanais. Abandonei e continuo recomendando a leitura - afinal cada livro x leitor é um encontro singular - e se você não quiser ler o livro, pode acompanhar de uma maneira mais lúdica com o podcast da Nina Cast. Em psicologia estudamos os processos cognitivos, grandes ‘áreas’ de funcionamento da nossa mente, definidas em cada abordagem por uma linguagem específica, e de maneira geral, divididos entre percepção, linguagem, atenção, memória e pensamento. A criatividade conversa com todas essas áreas porque aparece como uma característica acionada em muitos comportamentos, como a resolução de problemas e a expressão afetivo-sentimental. Essa definição ajuda na compreensão do que é a criatividade, porém ainda a reduz a uma função específica. Meu papel aqui é confundir e subverter essas definições. Espero conseguir.
Penso que a criatividade pressupõe gastar tempo com algo que não necessariamente lhe trará ‘algo’ de volta, seja dinheiro, reconhecimento, fama, aprendizado, elogio, bem-estar e infinitos etc. Nesse sentido, a criatividade não está à serviço da resolução de problemas, inclusive pode ter a força exatamente contrária, de causar mais questionamento e incerteza. Gosto da ideia de ter cada vez menos verdades endurecidas e eternas, de sentir que posso ser sensível às mais sutis mudanças e rachaduras que se apresentem no meu caminho. Se eu fosse te dizer qual o principal pressuposto para uma vida mais criativa, esse seria o meu eleito: gaste seu tempo de maneira totalmente desapegada. Meu atual projeto criativo surgiu com o 100 day project, que pode ser iniciado a qualquer momento, ter qualquer caminho, durar o tempo que precisar. Tenho registrado no ilharga.art, no primeiro destaque. Visite minha auto-permissão de ser criativa. Ou ouça o Ethan Hawke falando disso.
Com isso, não quero aburguesar a criatividade, longe disso. O caminho que sugiro é a via em que a criatividade não seja um luxo, coisa para poucos, um dote ou dom. Que ela seja uma via de acesso ao sensível, abrigando as oscilações inevitáveis da vida e permitindo seguir com conexão e interesse por si e pelos outros. Nisso não cabe resumir a criatividade numa ‘competência desejável’ para aplicação de uma vaga de emprego ou como etiqueta que você posta no seu perfil do linkedin. Essa definição de criatividade não está a serviço do capital, caso contrário, eu me frustro, me incomodo e me entristeço. E nesse lugar não é possível ser criativa. ‘Mas então, pm, como é essa criatividade aí na sua vida?’ Gosto de me conectar com pessoas criativas, a busca é quase intuitiva (mysticah!). Falando sério, o processo de exercer a criatividade como prática de conexão de vida não tem receita. Por exemplo: na plataforma Domestika, já fiz alguns cursos em diferentes áreas e o que a experiência nessa plataforma me mostrou é que muitas das pessoas que estão ali, professoras e professores e também os alunos, são criativos pela insistência, constância e teimosia. Podemos investigar a fundo o caminho de cada uma dessas pessoas, mas eu diria que além de insistir na busca, também e talvez o mais importante, seja receber elogios e apoio no caminho.
Hoje cedo, pensando em escrever essa newsletter, recebi o texto semanal da Babi Bom Angelo. Tomo a liberdade de citar um trecho:
Criar pode ser duro, perturbador. É atividade que serve de escape para ideias obsessivas, para sentimentos que precisam de maturação, de entendimento.
Termino o texto na defesa ferrenha da criatividade como escape e resistência ao adoecimento endêmico do capitalismo. ‘Ai pm, tudo é capitalismo’, bem, errr. Quase tudo. Somos fagocitados por esse sistema em diversas camadas, inclusive nas nossas camadas subjetivas, como a criatividade. Reconhecer isso é um passo importante para não endurecer, não individualizar e sobretudo permitir gastar seu tempo na experiência criativa. Afinal de contas, tempo é dinheiro, mas você não consegue comprar ele de volta, só vender. Resta o exercício de reapossar o que nos é de direito.
Por último e não menos importante, convido a todas, todos e todes para mais uma (!) invenção de moda do lado de cá. Junto com Lisandro Gaertner, outro entusiasta das ideias sem fins lucrativos, estamos escrevendo a Toranja, uma newsletter semanal com exercícios criativos & otras cositas más. Assine aqui, já enviamos a primeira edição ontem!
A Feira do Livro de SP convoca todas as escritoras que estiverem em SP no dia 12/06 para uma foto histórica. Já tô sabendo de várias colegas de newsletter que estarão por lá, tô ansiosa e nem sei se tenho roupa pra isso, mas irei!
Saiu quentinho do forno no dia de hoje o novo episódio de Bobagens Imperdíveis da Aline Valek. Eu, que sempre fui nariz torto pro famoso museu de cera, agora tô louca pra visitar quando puder.
O Itaú Cultural está com uma exposição lindíssima de Arthur Bispo do Rosário. Imperdível para quem visita SP. Fica em cartaz até outubro/2022, pretendo voltar e aceito companhias!
"Aprendam a se amigar dos seus ciúmes", diz Cristian Dunker num ótimo vídeo sobre ciúmes na perspectiva da psicanálise.
Se puder gastar seu tempo com uma série linda, fofa e sensível, indico Heartstopper na Netflix.
Junho é mês do meu aniversário e é quando as impressões do livro chegam. Para comemorar, vou fazer um sorteio. Funciona assim: um pix de qualquer valor acima de R$5 garante a participação. Os múltiplos de cinco aumentam as chances. Quem for sorteado levará um exemplar de "Primeiros Pedaços" e um de "Cartas de uma Pandemia", mais outras coisinhas que eu farei surpresa. Se fizer o pix, por favor me avise por email, para eu tabular os participantes. A chave pix é oi.pmescreve@gmail.com
Essa newsletter é gratuita e assim seguirá. Se gosta do que eu escrevo, considere apoiar meu trabalho financeiramente aqui. E espalhe essa news por aí!
Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.