
Quando comecei a usar a internet, uma das coisas que mais me fascinou foi a oportunidade de ter uma espécie de enciclopédia expandida sem ter que fuçar livros empoeirados, porque fui uma criança cheia de <ites>: rinite, sinusite, bronquite. Foi na infância que nasceu o desejo de pesquisar para aprender mais, lia dicionário, bula de remédio, classificados de jornal, revista de fofoca ou de ciências, o que estivesse à mão. A internet então não me escaparia. Lembro do meu entusiasmo ao escrever um e-mail para o serviço de atendimento ao consumidor da Perdigão perguntando o que era afinal de contas um chester. A tarefa fora designada pela minha professora de ciências da sexta série. Acredito que o SAC tenha me respondido, mas infelizmente não consigo lembrar. Do chester às salas de bate papo do Uol, dos sites de letras de música às páginas de bandas passando pelo início das receitas online, <entrar na internet> era uma atividade prazerosa porque pesquisar e aprender sempre me divertiu.
Quase trinta anos depois e essa é minha desculpa preferida para passar tanto tempo <entrando na internet>. Uma lista infinita de coisas que eu não sei e que desejo muito, muito saber. Entre elas não há hierarquia, as preferências saltam de acordo com as variáveis mais estapafúrdias, como a estação do ano, um mês mais temático, a conversa com uma amiga ou o sistema randômico em que funciona o pensamento. Não dá para saber qual será a próxima busca no quadradinho do Google que fica na tela principal do meu celular. A única garantia é que a curiosidade não cessa e a lista tem aumentado ao longo dos anos. Com todo o papo de inteligência artificial que tem rolado por aí, corro para o outro lado e fujo do assunto falando de outra coisa. Ao invés de debater o que a IA pode me ensinar ou não, resolvi investigar de modo analógico (ou seria biológico?) as coisas que ainda não sei.
Talvez uma primeira coisa seja que não sei lidar com a <internet nos anos 2020>. Por vezes sinto que foi rápido demais que as redes sociais tomaram conta de tudo e quase viraram sinônimos de <entrar na internet>. E não, não é sinônimo. Mesmo que a gente já tenha se acostumado, mesmo que nossos dedos estejam treinados a caçar por alguns aplicativos no celular sem ao menos pensar, mesmo que a gente percorra quase cinco quilômetros por ano rolando a tela do telefone. A internet abarca servidores de inúmeros serviços essenciais mundo afora, é repositório de um sem fim de documentos científicos e históricos, permite que alcancemos geografias desconhecidas do outro lado do globo, oportuniza modalidades de trabalho das mais variadas… Enfim. A internet não é e não pode ser sinônimo de rede social. Na última semana tentei trazer este debate numa nota aqui no Substack pois percebi uma <chegança> massiva de pessoas em 2025 — muitas sem nem entender o que é o site/aplicativo. A fome de não ficar para trás (onde é esse lugar?) tem nos levado a consumir de modo generalizado. Não sei lidar. Tenho pensado bastante sobre isso e das poucas conclusões que tenho é que gosto de estar na internet, mas não gosto do jeito como tenho me sentido — engolida pelas redes sociais.
Também não sei acompanhar tendências. Esse não saber se amarra ao tópico anterior, pois na tentativa de viver menos fagocitada pelas redes sociais, sigo poucos criadores de conteúdo, influenciadores e afins. Marcas estão totalmente fora do meu radar porque o sentimento de desatualização é irremediável: parece que tudo que sou ou tenho não presta. Mas outras tendências que não têm a ver diretamente com consumo, como as comportamentais, também acabam ficando fora do meu escopo de saberes. Meu convívio social — uma autônoma que trabalha online — diminuiu drasticamente no pós-pandemia. Salvo às aulas na USP, meu cotidiano é feito de poucas interações presenciais. Quando estou com as colegas na faculdade, ainda é possível me atualizar ou tentar compreender uma coisa ou outra, mas de novo a sensação é de que tudo muda rápido demais. E isso eu não tenho conseguido aprender a lidar.
Sem saber das tendências, muitas coisas chegam depois do burburinho. Em especial, na literatura. Como a lista de coisas a fazer, a de livros a ler também é infinita. O que vai chegando raramente passa na frente de prioridades pois sinto que <para ficar em dia> teria que abrir mão de algo que já estou fazendo por escolha — e muitas das minhas escolhas são motivadas. Ler porque <todo mundo está lendo> nunca me pegou muito, acredito que os livros precisem de um tempo próprio, meu encontro com eles será mediado por outras urgências. Exceto o que preciso ler para trabalho ou para a faculdade, estarei sempre atrasada. Não li Miranda July nas férias, nem Édouard Louis na época da Flip, nem mesmo Memórias Póstumas de Brás Cubas depois do boom com gringa apaixonada. Contudo, estar atrasada pode ter seu encanto. Ler a tetralogia de Elena Ferrante anos depois da febre brasileira foi um presente. Me encontrei com a Itália que me machucou, passei longas horas pensando nas personagens como pessoas da minha família, curei um pouco do que vivi num passado não tão distante. Não sei se seria possível passar por isso com tanto ruído da febre à época do lançamento. Não sei estar em dia, mas sei apreciar o tempo das coisas.
Acredito que seja por isso que me vejo tão relutante quanto à redução da <internet> ao uso de rede social ou mesmo à <praticidade> das ferramentas de inteligência artificial. É uma recusa que instiga a buscar meus motivos internos, mas que também me coloca questões sobre que raios de realidade é essa que estamos nos acostumando. A gente ri, faz meme, motim online para defender os nossos, mas… Onde está a apreciação do tempo? Essa coisa tão bela que é o tecido da vida (salve Antônio Cândido!), que só anda para frente, que ninguém sabe ao certo o quanto tem. Essa apreciação que tem nome: maravilha, estupefação. Uma emoção vital, que pipoca em nosso peito de um jeito diferente, que não pode se resumir num like, num compartilhamento e nem mesmo no comentário mais açucarado que você pode escrever — ou receber. A maravilha “nos quer vulneráveis, mas alegres: prontos para deixar que a vida nos arrepie, nos intrigue. Ela confere uma atitude aberta, espontânea, que não alcançaríamos com pose nenhuma, nem se tentássemos ser retratados com o ar mais ingênuo de que somos capazes; e ainda tem o papel significativo em nossa vida cognitiva e também emocional”. Aprendi mais sobre essa emoção em A vida secreta das emoções, de Ilaria Gaspari, uma das melhores leituras das férias. Faço outra citação, que é tão bonita que não vale a paráfrase:
“Enorme é o poder da maravilha, que desestabiliza, faz as certezas desabarem e obriga, diante do espetáculo do bizarro e da fenda que nos abre para o real, a partir em exploração, buscando iluminar o que muda e o que permanece idêntico; a interrogar-se sobre os porquês”.
Que a gente tenha no horizonte a curiosidade e a vontade de se maravilhar.
Drops:
Uma coisa que sei: te ensinar a começar uma newsletter
Outra coisa que sei: leitura crítica de contos ou poemas
Uma playlist sobre emoções
Sei, mas quero aprender mais: escrever sobre o amor. Para isso, estou inscrita na oficina Lavoura Arcaica e a escrita do amor, com Andrea del Fuego na Escrevedeira. A oficina será presencial, nos dias 21 (das 19h às 22h) e 22 de fevereiro (das 10h às 13h). Para essa oficina e qualquer outra atividade na Escrevedeira, online ou presencial, deixo meu cupom de desconto: TESCREVO10
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um abraço,
paulamaria.
Oi, Paula Maria.
Isso que disse sobre (não) acompanhar tendências "reverberou" bastante em mim, pois me sinto mais ou menos assim também.
O fato de "todo mundo" estar fazendo ou consumindo algo específico, tipo livros, filmes, rolês, não me desperta vontade de "seguir essa música", pois o burburinho todo me deixa desnorteado.
É como se eu tentasse prestar atenção a alguém falando ou alguma música e não conseguisse por causa da "poluição sonora" no entorno.
Às vezes "entro em contato" com o que causou alvoroço, como você com a Elena Ferrante, ou simplesmente esqueço por completo o assunto.
Enfim, gostei muito do texto.
Tudo de bom para você!
nossa, como me identifiquei com este texto...