O caderno de receitas que herdei de minha avó é recheado de vazios. Há receitas nas quais as medições são incertas, outras com modos de fazer que pulam etapas e até mesmo pratos sem o modo de fazer. Em algumas delas, consigo rememorar vovó na cozinha, batendo o bolo à mão ao invés da batedeira. Ou a imagem vÃvida da maneira com que ela picava os legumes miudinhos e os colocava numa bacia com água antes de ir ao fogo. Infelizmente não convivi o suficiente quando ela ainda cozinhava, e assim não tenho acesso afetivo e nem de registro escrito de muitas dessas receitas. Resta então que as receitas padeçam no segredo da comida de vó, que tem aquele cheiro e gostinho inigualáveis, impossÃveis de reprodução.Â
O segredo do não sabido, daquilo que mora nas entrelinhas daquele caderno e da minha memória. Das memórias que invento, que fantasio sobre a vida da minha vó, sobre o cheiro de sua cozinha, sobre suas habilidades manuais diversas. Das linhas manchadas do caderno de capa xadrez azul, com transcrições feitas por ela, por minha mãe, minhas tias e até por mim, com letra de criança, grande, espalhafatosa, incontida. Dos segredos, nunca saberei. Acredito que seja aà que mora a magia da descoberta.Â
Tentarei algumas vezes fazer o pão de ló do caderno azul, mas provavelmente nunca tenha o mesmo gosto que o dela. No reveillón de 2014, pedi para ela que nos fizesse um pudim, sobremesa tradicional da sua casa e preferida entre seus seis cunhados. Ninguém faz pudim como vovó, nem mesmo minha mãe. Acompanhei de perto o passo a passo, um pouco desajeitado e salpicado de pequenos esquecimentos advindos da velhice e sua saúde. Num determinado momento, achei que aquele monte de ovos e leite condensado iria explodir o liquidificador! Depois de pronto, ficou maravilhoso como sempre foi. E eu aposto que pisquei em algum momento e que rolou um toque crucial daquela batida dos ovos que parecia ter desandado. Ainda não consegui aprender a fazer calda de açúcar sem perder o ponto e sem queimar os dedos ao espalhar na forma. Na minha cabeça, eu preciso de um termômetro de alimentos. Será?
Talvez um pouco de segredo more aà também. Talvez eu precise caminhar um pouco mais pela cozinha, esquentar mais a barriga no fogão, lavar mais umas dúzias de formas sujas para entender o pulo do gato. Provavelmente eu jamais desvele os segredos da minha avó e suas receitas, mas possivelmente construa os meus segredos, junto às minhas panelas e formas de bolo. Os vazios também estão presentes no meu caderno. Quem o lerá no futuro talvez não compreenda como o bolo de banana ficava tão macio e cheiroso ou como a queijadinha não desidratava e mesmo assim ficava corada. Também invento memórias de um futuro que pode nem chegar. Também estes segredos imprimo no caderno. E aposto que mudam o gostinho daquilo que chega à mesa.
Falar sobre segredos me lembrou o Mister M. Descobri que ele está doente e veio ao Brasil para tratamento
Uma das minhas músicas preferidas pra animar o dia se chama Houdini
Slow motion pra mim é magia. Dos meus clipes favoritos
Esse texto da Carla Soares revela segredos
No grupo dos Valekers (<3) tivemos uma longa e ótima discussão depois de ver esse vÃdeo. A cor rosa existe?Â
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um abraço e até a próxima edição,
paulamaria
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