Atualmente tenho cinco cadernos em uso. Uma agenda – que alguns chamam de planner –, um para as aulas de francês, um para os cursos de escrita e rascunhos gerais, um para anotações de leituras (a primeira vez que faço isso desde a pós graduação) e um para os atendimentos psi. Ainda existem outros a tiracolo, como dois art diaries que mantenho desde 2019 e que andam um pouco abandonados, vira e mexe me dá vontade de resgatar, mas a verdade é que não tenho tido tempo. Queria muito viver apenas mergulhada nos meus cadernos e por um longo período da vida era assim mesmo…
É um clichêzão e repito sem vergonha de cair no lugar comum: eu escrevo desde que aprendi a escrever. Canetas, lápis e cadernos enchem minhas mesas de trabalho todos esses anos, uma millenial que se agarra ao analógico do jeito que dá. Meus cadernos acompanham diversos ritmos e épocas, são companheiros inseparáveis nos momentos mais duros da vida e neles pude registrar meus sonhos, devaneios, medos, planos, segredos e toda sorte de bobagens imperdíveis. Caderno é um objeto tão especial que possui uma das músicas mais lindas já escritas em português. Algo simples, leve, prático e que se desdobra em tantas maravilhas, como só um melhor amigo pode ser.
Sou eu que vou ser seu amigo
Vou lhe dar abrigo
Se você quiser
Quando surgirem seus primeiros raios de mulher
A vida se abrirá num feroz carrossel
E você vai rasgar meu papel
(O caderno, Toquinho)
Muitas pessoas que escrevem mantém seus rabiscos mais íntimos apenas nos cadernos, o lugar onde rascunhar a vida não assusta tanto, onde ser quem se é parece possível, onde se pode falar os maiores absurdos, e onde as maiores feiúras e os mais secretos desejos podem habitar. A gente escreve para não esquecer – uma frase de múltipla autoria – e também escreve porque o ato de desenhar letras no papel transforma o pensamento num objeto palpável, passível de alterações literais: apagar, rabiscar, sobrepor, colar, compor, queimar. Pegar a palavra pelas mãos e levá-la para onde quiser, como dançar à luz da lua, sentar num banquete de piquenique ou estrangulá-la no parapeito da janela. Uma vez escrita no caderno, a palavra está viva.
Num dos cursos que fiz com
, ela ensinou que é tentador fugir da escrita e concordo ipsis literis com ela. E é por isso que insisto na prática da escrita dos cadernos, eles me ajudam a não desistir, dão forma, contorno e cheiro ao meu processo. “A mente criativa brinca com os objetos que ama”, diz Carl Gustav Jung. Anotei essa frase no cantinho de um dos cinco cadernos, durante uma aula da Tayná. Escrevendo este texto, brinco com o objeto que amo: meu caderno. Aproveito que o abri e passeio pelas páginas, pesco anotações e divido com vocês:Por que escrevi isso? Para me lembrar, é claro, mas de que exatamente eu queria me lembrar? Em que medida isso realmente aconteceu? Em alguma medida? Por que guardo um caderno? É fácil a gente se enganar sobre todos esses registros. O impulso de tomar nota das coisas é peculiarmente compulsivo, inexplicável para quem dele não compartilha, é útil apenas de maneira acidental, secundária, da maneira como qualquer compulsão tenta se justificar. Suponho que seja algo que vem do berço, ou talvez não. Embora eu tenha me sentido obrigada a tomar nota das coisas desde que tinha cinco anos, duvido que minha filha venha a fazer isso, pois ela é uma criança afortunada e tolerante, encantada com a vida tal como esta é apresentada para ela, que não tem medo de dormir nem medo de acordar. Quem tem cadernos secretos é de uma espécie completamente diferente, são pessoas solitárias e resistentes, sempre querendo reordenar as coisas, descontentes, ansiosas, crianças que aparentemente quando nasceram se infligiram com algum pressentimento de perda. (Joan Didion em Rastejando até Belém)
E se as pessoas soubessem a textura do futuro? (Paciente 63)
O texto é algo que está sempre em disputa (Jana Viscardi)
O que a literatura lhe ensina? Atitude de curiosidade (colagem minha)
Ela enumera os motivos que escreve porque precisa contar as experiências banais que logo passarão (colagem minha)
Escrita compassiva é aquela que conta de nós, como vemos e vivemos o mundo. Um sentimento de humanidade compartilhada (Carla Soares)
Qualquer distração pode fazer a escrita parecer desnecessária (Tayná Saez)
Nenhuma palavra é inocente (José Saramago)
Uma mulher escritora está sempre escrevendo (Tatiana Lazarotto)
Se a gente começa a escrever, anotar e nomear o que acontece, será que consegue fazer as coisas existirem de outro jeito? (Marília Garcia)
Na escola, nos anos 1990-2000, tínhamos uma moda chamada ‘caderno de perguntas’. Hoje, com as caixinhas de interação no instagram e os sites de perguntação anônima isso parece pré-histórico, mas era assim que fazíamos para conhecer melhor as colegas de classe. Consistia num caderno com perguntas pré-estabelecidas pela dona e que rodava pelo colégio. Questões como Qual sua cor favorita; Uma pessoa famosa que gostaria de conhecer; Já beijou na boca; Qual seu telefone (era fixo!); Qual seu hobbie e o clássico Deixe um recadinho para mim ao final. A nostalgia irremediável que mora em mim me convocou e teremos uma novidade por aqui. A versão paga dessa newsletter terá edição mensal chamada Caderno de Perguntas, que contará com entrevistas com quem escreve newsletters. A primeira edição tá no forno e sai em fevereiro, com uma pessoa queridinha por aqui! Para assinar, por oito reais mensais, clique aqui.
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um abraço,
paulamaria.
Eu também sou a louca dos cadernos, amo anotar tudo à mão. Tenho um diário pessoal, um caderno para poesias, um caderno pequeno para anotações diversas que levo na bolsa e inaugurei ontem um caderno maior para escrever prosa.
que ideia massa essa do caderno de perguntas!
Eu tinha esquecido da existência disso, e tmb adorei o paralelo com as caixinhas do insta!