A edição de hoje é reprise de agosto de 2022 . Programei em repostar esse texto aproveitando a ocasião do show da Madonna na Praia de Copacabana. Não planejei, contudo, que o texto também saísse numa semana tão difícil, na qual perdi uma das pessoas mais fundamentais da minha vida. Ainda não tive coragem de escolher palavras, nem consegui sentir nada além de absurdo. Todos os clichês tão aqui, o luto é um gigantesco clichê, que faz a gente chorar e rir, olhar para o nada e falar igual uma maritaca. Essa edição é para Bruna, minha prima e minha primeira irmã. Jornalista, amante das palavras e da comunicação, mas, acima de tudo, uma das minhas maiores alegrias e companhias. A vida muda o tempo todo, o texto já nem se parece muito comigo e tudo virou de ponta cabeça… Pensem um bom pensamento por mim?
Em 1995, eu tinha nove anos. Não me lembro se foi aniversário ou natal, pedi o disco dos Mamonas Assassinas de presente aos meus pais. Era costume pedir discos, nessa época o formato era CD, de presente em datas especiais. Era caro consumir música e quem me lê aqui provavelmente sabe disso. O mundo já existiu fora dos streamings, quem diria (eu? você?). Acontece que minha mãe não gostava dos Mamonas, moços irreverentes demais que xingavam demais. Eu até podia cantar “minha brasília amarela, tá de portas abertas…”, mas se fosse cantarolar “sabão crá crá” poderia encarar um belo dum castigo… Então, me restava ouvir os rockeiros paulistas nos programas de domingo a tarde na TV ou nas raras festinhas que eu podia frequentar, chamadas na época de ‘festas americanas’. Lembro direitinho da garagem na casa de Raphael, o local preferido da turma pras festinhas em que meninos levavam refri e meninas os salgados. E lá, na garagem meio escura, suada tomando meu guaraná coroa, gritava bem alto que o sabão crá crá não deixa os cabelos do saco enrolá.
Cresci e foi nas festinhas da garagem e no Domingo Legal minha experiência pré-adolescente com os Mamonas, que morreram num fatal acidente aéreo em 1996. Não ganhei o disco nem de aniversário nem de natal. Calhou, no entanto, de outro disco ser meu presente. Não sei exatamente se esse trocadilho foi proposital, quase como uma pegadinha por minha mãe, ou se simplesmente o cd estava na promoção na Laser Discos do Shopping da Terra. Sei que Bedtime Stories da Madonna chegou na minha vida quando eu tinha nove anos.
É muito curioso pensar nas circunstâncias dessa substituição — que pode ter sido inventada por mim, não fui tirar à prova da história. É curioso porque se minha mãe queria me proteger das baixarias de Dinho e sua trupe e em troca me deixou com um dos discos mais kinkys da rainha. Eu era bem criança e não tinha muito acesso à cultura pop internacional, e, apesar de ter de assistir alguns clipes de música quando a programação da MTV aparecia nas manhãs da extinta TV Manchete (alguém lembra?), eu só tinha 09 anos e ganhei um disco da Madonna. Eu mal eu sabia, mas o fato é que Madonna iria mudar minha vida.
Bedtime Stories é um disco sensacional, uma resposta bem elaborada e chic as críticas e preconceitos sofridos pela cantora no disco anterior, Erotica. Eu não sabia disso na época e confesso que nem muito tempo depois. Fui conhecendo Madonna através de suas músicas e das pequenas notas nos Caderno2 dos jornais. A vida sem internet tinha disso, o ficar sem saber, os hiatos, o espaço pra poder apreciar. Ouvia, sem entender a letra e me deliciando com os ritmos, o disco de cabo-a-rabo, pulando por vezes a faixa Love tried to welcome me não sei direito porquê — sigo sem gostar muito dela.
Minha música preferida, desde lá, é Human Nature. Eu sabia, mesmo aos nove anos, que ela estava falando algo muito importante sobre ela mesma. O tom com que ela canta, as ‘paradas’ na música, os sussurros por trás do refrão. Eu não tinha ideia da tradução, mas eu sabia que era algo. O single tem sua página própria na Wikipedia e imagino ter sido escrita como uma resposta direta para as críticas ao seu livro SEX. O clipe, a letra. Sensacional.
O disco não desejado abriu as portas do mundinho Madonna pra mim. A artista continuou revolucionando a música por anos a fio e pude ao longo da sua trajetória aprender também com ela. Aprendi inglês também traduzindo suas letras, observava e tentava sem sucesso repetir seus passos de dança com desejo de que o meu corpo também pudesse ser aquilo tudo, me inspirava em sua arcada dentária (diastema é o nome do espacinho entre os dentes) não perfeita uma permissão para diferir. Madonna chegou na minha vida quando tinha nove anos e daqui ela nunca mais saiu. Amiga do rei Michael Jackson, consagrou-se durante anos como a Rainha do Pop. E para mim, tem um gostinho de algo mais. Sinto que Madonna trouxe para esse mundo um corpo apropriado de sua potência e força, segurando os rojões das críticas da exposição e seguindo seu rumo na criação. Olho para ela e sinto que tudo ficará bem, que posso, desde criança, dançar conforme a música que aparece.
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Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Muitos pensamentos bonitos a você por aqui! 🩷Nascida na década de 80, Madonna fez parte importante também da minha infância, adolescência e segue até hoje. Adorei o texto, fui olhar meus CDs, que ainda tenho.
Só pensamentos bonitos pra você, amiga. Amanhã vou no show da Madonna e pensarei em você o tempo inteiro ❤️