A volta de quem não foi
🎵Hey, you're the comeback kid / See me look away / I'm the runaway (Sharon Von Etten)
Não, eu não desisti da newsletter. É que maio passou me atropelando e as semanas vieram com pesos maiores do que eu conseguia carregar e depois disso, retomar parece mais complicado do que parece, tipo exercício físico, sabe? O importante é que eu voltei, ainda sem saber como manter o ritmo e a constância, mas tendo ainda mais consciência de como essas duas coisas são essenciais para o desenvolvimento da escrita. Obrigada quem mandou um alô perguntando se estava tudo bem, se o substack não estava com problemas (rs) e quem esperou meu retorno. É muito bom ter uma comunidade atenta e carinhosa, uma conquista importante para uma escritora em formação. <3
Junho é um mês especial por aqui e a lista de motivos é grande: é mês do orgulho LGBTQIA+, é mês do meu aniversário e de pessoas que amo muito, tem festa junina, tem shows divertidos, tem cheirinho de final de semestre se aproximando. Comemorar, celebrar, brincar, dançar. Também tem sido um mês que estou aproveitando eventos literários intensamente, como A Feira do Livro na semana passada, o Bloomsday ontem na Faculdade, o Clube da Escrita Para Mulheres na próxima semana… Eita como comemoro junho! A felicidade que me abraça nesse mês também trouxe de volta a vontade de ler, que desapareceu em maio. Engatei num dos romances que adquiri na Feira do Livro, o mais recente da autora mexicana Brenda Navarro, chamado Cinzas na Boca (Editora Dublinense). Comprei seduzida pela livreira, pela arte da capa (já contei que sou dessas) e pelo nome esquisitíssimo que combina com minha personalidade ‘estranha’.
O romance é sobre uma jovem mexicana que vai para a Espanha atrás de sua mãe, que imigrou anos antes e a deixou com os avós e o irmão mais novo, de quem tomava conta e por quem se sentia extremamente responsável. Os laços roídos e frágeis entre a mãe e os filhos não se recuperam no novo país, a condição de imigrantes degradava a cada uma das personagens em um ponto diferente – e também igual. Quando não se pertence, parece que pouco se tem a perder, então fazer qualquer coisa é custoso, é pesado, é difícil – a vida vale nada. A jovem, que não é nomeada, conta a história da perspectiva de irmã mais velha que perde o irmão para o suicídio, dessa vida que pouco valia, que não se encontrava nem no México nem na Espanha. Um romance duro, que fala da morte de maneira vivíssima, que traz o luto encarnado na irmã em busca duma fagulha de chance relacional entre essas pessoas da família que nunca existiu – não pelo menos como ela imaginava.
Se no México as pessoas podiam dizer que éramos pobres, e éramos, pelo menos estávamos acompanhados; mas em Madri nos olhavam como pobres e ainda por cima como párias. Alheios a eles. Não são daqui, são panchitos. De onde você é, da Bolívia? Não, do México. Ah, órale, cuate, órale, güey. De onde você é, colombiana? Não, do México. Ah, o Chaves; ah, sim, os tacos; ah, sim, a pimenta. De onde você é, me perguntou uma vez a funcionária da loja do museu Reina Sofia, quando finalmente demos ouvidos à minha mãe e fomos ao centro: Sou do bairro Pilar, respondi. E ela ficou desconcertada e me senti vitoriosa. Sou de onde moro, pensei. (p.28)
Fiz muitas marcações livro afora, sacadas e trechos bonitos de doer, não quero entregar tudo, isso não é uma resenha… Quis trazer o livro porque além de ter reacendido a chama da leitura no meu coração, também me trouxe de volta para a escrita, rascunhei algo que quero muito compartilhar com vocês, depois de alguns começos de newsletter que não se desenvolveram além de alguns parágrafos. O texto a seguir é ainda bem cru, sinto que ele faz parte do futuro romance que pretendo costurar, mas ainda um excerto, ainda um retalho, desses pedaços que me constituem e que me ajudam a entender processos.
Queria começar esse livro dizendo: a culpa não é sua que coisas ruins aconteceram contigo. Eu sei que parece que sim. Eu sei também que citar a frase do ateu problemático não ajudaria em nada, mas é que a frase é realmente boa e pode ajudar quando você imprime e cola ao lado da sua cama, como um lembrete diário de autoajuda fajuta – eu juro que funciona, mesmo que só às vezes. O mundo é assim realmente fodido e coisas ruins acontecem como coisas boas acontecem e, tirando a parte de que todos sofremos de capitalismo crônico, as pequenas desgraças cotidianas não são sua culpa.
Tudo começou na segunda-feira, quando no picnic com pessoas que ainda estou descobrindo e conhecendo, brincamos de “vou para a lua e vou levar X”. Listei muitos objetos, rapidamente entendi do que a brincadeira se tratava e de repente eu tinha muitos anos a menos – faço trinta e sete em quinze dias. Aí agora estou aqui, dias depois do picnic, no ônibus suado com janelas fechadas, chove lá fora, faz frio e eu auto cortei minha franja (ideias terríveis me acometem pré-aniversário). Eis que estou aqui, lendo um romance trágico mexicano porque coisas ruins acontecem na ficção e também na vida real e Diego se entristece porque uma família inteirinha foi despejada dois andares abaixo de sua casa no condomínio. Diego chora, reclama, ajuda a família mas não se despede. E depois, puto da cara, diz que as paredes vão ficar sozinhas. De repente, estou no picnic de novo. E lá, lá eu disse: meu nome é Paula e eu vou levar uma parede. Mas acontece que eu tive de deixar a parede para trás e ela ficou sozinha. A maldita parede rosa, memória que me assalta do romance que leio no ônibus, cinco anos depois, vivendo outra vida, em outra cidade, onde faço picnic, tenho uma nova franja e tudo mais.
Claro que nesses cinco anos outras coisas ruins aconteceram. Hoje mesmo já lembrei de algumas, essa maldição de ser nostálgica que me faz visitar o quartinho de memórias, o cativeiro da síndrome de Estocolmo. <<Cê já tem a soolidão de vollltaaaa, não precisa mais se explicarrrrrr>> Chorei muito nos dois shows que fui do Terno Rei, por motivos diferentes mas também iguais: eu mesma, de novo, com pena de mim, que passei por coisas ruins e não merecia ou tive culpa. Eu sei que a gente (eu) quer se sentir um alecrim dourado que nasceu no campo sem ser semeado, porém esse papo aí é a concepção de Jesus e cá pra nós, tamo longe demais do cara lá de cima. Ser uma pessoa boa não livra alguém de sofrer coisas ruins e nem mesmo de fazê-las, sem querer, ou mesmo querendo, pra sobreviver.
É bom voltar pra cá, obrigada por estar aqui esperando! Nesse meio tempo, salvei textos que gostaria de compartilhar com vocês:
Uma confissão dolorida e corajosa da
, no texto postado no dia dos namorados;Eu amo andar com a
e esse texto sobre mineiros (não de Minas Gerais) e a luta lgbt no Reino Unido;A proximidade do meu aniversário sempre me lembra das relações que acabaram - principalmente amizades. Esse texto da
me abraçou;Me expus e falei de mim no textinho acima, o que me fez lembrar dessa ótima edição da
.
Se gosta do que escrevo, também pode me apoiar continuamente através dessa plataforma.
Como mencionei, meu aniversário é esse mês. Caso deseje me presentear, tenho uma lista na Amazon :)
um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Recentemente li o Casas Vazias, também da Brenda Navarro, e curti bem.
que bom que voltou <3