A vez de cada coisa
Ler e caminhar podem salvar a sua vida ou te levar para a cadeia (ed. sobinfluência)
Nesta sexta-feira (hoje!), primeiro de dezembro, lanço meu segundo livro (Caminhos curtos para caracóis, Ed. Urutau) em evento na Livraria Ponta de Lança. É a primeira vez que organizo um lançamento, para o livro anterior não consegui e agora estou, posso dizer, realizando um sonho. Piegas, eu sei… E é por isso que decidi escrever essa edição, misturando as impressões pós-Paraty com o lançamento de hoje. Os assuntos se cruzam e achei que seria mais interessante apresentar um recorte da minha experiência como escritora a partir desses dois eventos.
O objeto desejo: o livro
É inegável: onze entre dez pessoas que escrevem em algum momento da vida imaginaram essa cena: abrir o pacote entregue pelos correios, pegar o livro, sentir seu cheiro forte pós-gráfica, passar a mão em sua capa, folhear… Sem acreditar que chegou esse dia. Ensaiar dedicatórias, escolher a caneta perfeita. Abraçá-lo. A primeira mesa que assisti na Flip “Da estante à estrada: a literatura tem passado e presente, e o livro, tem futuro?", contou com a presença de Henrique Rodrigues (Sesc),
(Página Cinco) e Camila Carrascoza (Escritora e musicista) e mediação de Marcelo Nocelli (Ed. Reformatório) e trouxe como centro do debate o livro físico e sua permanência num mundo cada vez mais digital. O problema de uma sociedade pouco leitora foi apontado por todos como algo que não é novidade, o livro sempre foi pouco acessível financeiramente; o hábito da leitura é algo que exige mais do que o acesso ao objeto livro: a formação de leitores é, e sempre foi, um desafio. Pensar que o livro tem seus dias contados por conta do avanço tecnológico é também ignorar o fato da própria tecnologia contida neste objeto: portátil, sem baterias, durável. Como escritora, vivi a emoção de abraçar um livro em que publiquei anos atrás. Era pandemia, o texto era sobre a pandemia. Me senti inteira, como poucas vezes havia me sentido antes. Os livros, meus melhores amigos, agora poderiam ter um pedaço de mim.Escritora, uma fantasia
Estar na FLIP pela segunda vez me trouxe mais localização. Me perdi muito menos do que ano passado, naquelas ruas que confundem todo mundo, de placas com letras miúdas, pedras de grande perigo e, é claro, a chuva, a chata da chuva… Apesar das intempéries, não me perdi. Andei pela cidade mais “encontrada" com ela e comigo mesma. Contudo, sinto que perdi a inocência das primeiras vezes, alguns detalhes não passam mais desapercebidos e incomodam. Um ano depois da primeira visita, a festa literária não tem a mesma euforia dentro de mim, pois parece que por trás da fantasia, consigo enxergar o que se fantasiou. Padrões repetitivos no mercado literário, tiques nervosos, manias de gente que se apresenta moderna, mas é conservadora. Branquitude, muita branquitude. Estar comigo mesma também implicou em andar só por horas e, em companhia dos meus pensamentos, ficar também triste com o que agora não consigo deixar de perceber. Na sexta-feira, assisti a mesa “Contra a mentalidade decadente”, com Carla Akotirene (doutora em Estudos de Gênero e escritora), Akwaeke Emezi (escritora nigeriana) e mediação de Maria Carolina Casati. Akwaeke fala sobre como o colonialismo produziu uma substituição da realidade, impondo aquilo que o colonizador acredita como o mundo real, certo e possível. Carla discutiu a ideia de tempo não linear, ancestralidade e sobretudo o conceito de linguagem, que quando foge da hegemonia colonial, produz incômodo. Sou uma escritora e me sinto bem nessas roupas – que também podem ser lidas como fantasias, penso, suspiro e sigo caminhando. Procuro a cara da cidade, que encontro quando baixo os olhos pelas ruas: artistas indígenas vendendo produtos manuais, artistas negras na mesma situação. O comércio local, acuado com o movimento avassalador de pessoas turistas, reclamonas e ávidas por uma "experiência". No último dia, domingo, andei cerca de cinco quilômetros. O fim de festa se anunciava e também o fim de alguma coisa aqui dentro de mim.
Escrever, um ímpeto
No coletivo que participo há cerca de três anos, estamos conversando sobre as emoções pós-FLIP. Para algumas, essa foi a primeira vez na cidade, outras já visitam o evento há mais tempo. A maior parte das mulheres não reside num grande centro urbano, logo, o acesso a eventos do estilo e tamanho da Flip é escasso. O deslumbre é real, quase impossível que não aconteça. Misturado à febre comum aos inícios apaixonados, aparecem incômodos que, quando partilhados, tornam-se coro coletivo: a cidade não é acessível para deslocamento, a cidade é cara, o evento ainda é elitista, as mesas ainda não são diversas como deveriam… Por outro lado, cabe relatar sobre um remarque inesquecível, um momento que a cidade e o evento nos proporcionaram. Momento no qual fomos íntimas de nossas palavras e de nós mesmas: o sarau das Escreviventes. O coletivo conta com a participação de mais de 600 mulheres brasileiras ao redor do Brasil e também do mundo. Somos escritoras publicadas e também temos uma grande fatia de mulheres que escrevem, majoritariamente, apenas para si mesmas. No sarau, nos misturamos. Pudemos presenciar mulheres lendo pela primeira vez, em voz alta, de pé em frente a um público atento e carinhoso às suas palavras poéticas. Fazia mais de quinze anos que eu não declamava poemas publicamente, mesmo com dois livros de poesias. Hesitei e tremi, emocionada, algo parecido como o primeiro beijo: desejo e sou desejada. Leio com a pressão arterial nas alturas – e também os pés. Escrever também é ler, escrever não termina no objeto livro no mundo: eu escrevo porque continuo a viver.
Aguardo vocês que estão por acaso ou condição na cidade de São Paulo hoje, 01/12, a partir das 19h na Livraria Ponta de Lança (R. Aureliano Coutinho, 26 - Vila Buarque). Teremos um bate papo com Tamlyn Ghannam, abraços e dedicatórias. Vem?
OBS: Todo final de ano envio cartões pelos Correios, com desejos esperançosos para o ano vindouro. Caso queira receber, tem informações aqui nesse post.
Um abraço e até a próxima edição,
paulamaria.
Ai que relato lindo! Ainda não participei da Flip, quem sabe no próximo ano, quem sabe com um novo livro (sigo sonhando)... fugi de alguns relatos para não me influenciar com as opiniões alheias, mas sua news encheu meu coração de amor e mais vontade ❤️
Que o lançamento seja lindo e que tenha uma news dedicada à essa noite especial!
queria TANTO ter ido no lançamento!
parabéns por tudo isso <3