Acordei achando que hoje não ia ter newsletter. Não deu tempo de rascunhar nada, a semana foi caótica pós derrota do Brasil na copa e as pré-festividades de dezembro deixaram minha cabeça girando como o Taz Mania. Eis que participando de um fio no Twitter, sou acometida por um gatilho de escrita* e bum! Aqui temos newsletter.
Qualquer coisa pode virar texto. Qualquer mesmo! Usar palavras como “absolutamente” ou “literalmente” qualificando o ‘qualquer coisa’ deixa o texto bobo, então entenda com leveza essa afirmação categórica. Excluo os advérbios da redação e me assusto ao perceber que ainda lembro essa função gramatical, mais de vinte anos depois da escola, eu sei o que é um advérbio. Gatilho atrás de gatilho construo meus textos. O gatilho inaugura a fábrica dos elos, que dão as mãozinhas e, nessa sequência encantadora de palavras, hipnotizam e emocionam, produzem sentido, dão contorno, fecham um ciclo. Qualquer coisa vira texto, até lembrar da gramática aprendida em 1995.
Tenho me planejado publicar mais dois textos aqui antes de me despedir de 2022. Um deles está rascunhado no arquivo ao lado da tela, no programa escrevo as newsletters (me adiantando, é o Scrivener). Para que os textos saiam, além de acolher os gatilhos, preciso organizar minha fúria tasmânica e também o desejo por férias e praia, a ânsia por apertar amigues, a fome de sol, tudo que gira em mim no ritmo do batuque de dentro, desafinado e torto, que clama pelo final de 2022. Não me leve a mal, foi um ano muito bom, mas a culpa é de dezembro, que tem gosto de prorrogação de jogo de futebol e não tenho coração pra isso. Veja bem, ainda estou bagunçada pela derrota da semana passada. Um abraço, Richarlison.
Na edição passada comentei sobre meus preferidos do ano e é claro que eu ia esquecer de comentar algum tópico, como o podcast que mais gostei, que foi o maravilhoso Projeto Querino do Tiago Rogero. A menção honrosa ficou pro Medo e Delírio em Brasília, que me deixou robótica repetindo os áudios malucos. Também faltou comentar sobre a exposição que mais me emocionou, Bispo do Rosário – Eu Vim: Aparição, Impregnação e Impacto, no Itaú Cultural, na qual visitei três vezes e iria mais. Como menção honrosa, registros pra Adriana Varejão: Suturas, fissuras, ruínas, na Pinacoteca, que fui duas vezes, uma delas no meu aniversário, sozinha. Essa retrospectiva me trouxe um insight, agora (agorinha): eu gosto mesmo é dos restos, pedaços, rastros. Quando comecei o texto de hoje, estava com vontade de escrever sobre o que ‘deu errado’, em contraste à ultima edição sobre o que ‘deu certo’. Agora, no momento em que boto as letrinhas na tela, o gatilho pra escrita me leva dois passos pra trás. ‘Pera, Paula. Pensa.
É gostoso compartilhar nossas experiências, né? Uma das razões pelas quais escrevo é exatamente essa: nossa, isso é muito legal, pre-ci-so escrever! Pensando bem, acho que eu nunca escolhi os meus gatilhos de escrita, eles aparecem a minha revelia e por vezes impõem: ESCREVA! Aí então aceito as ordens, corro pra ferramenta mais próxima e derramo. Mesmo sendo uma mulher calcada na obediência, diferentemente de vinte anos atrás, não sinto mais urgência em compartilhar o que escrevo, nem expor minhas feridas, falhas, fracassos. Além disso, passei a entender que posso dividir minhas conquistas de um jeito responsável e carinhoso, me afastando do lugar comum egóico e vaidoso que vemos internet afora. Então, escrever sobre o que ‘deu errado’ pra mim perde o sentido, sabe? O que não significa que o gatilho inicial não possa virar um outro tipo de texto, como esse.
Entre o que deu certo e errado por aqui, foi em 2022, que vim morar em São Paulo, após uma longa digestão da ideia. Entre mancadas e miradas, mais dias nublados do que eu esperava e uma saudade imensa do cheiro de maresia, cheguei aqui, nesse dezembro meio frio, quase um ano depois! Nesse tempo, vivi muito do que imaginava que seria como uma paulistana provisória - igual quase todo mundo dessa cidade cinza. Coisas mágicas acontecem aqui e eu sempre soube, desde a primeira vez, quando desembarquei no terminal Tietê com 10 anos, e, no meio da ‘fumaça feia que sobe apagando as estrelas’, pensei: então, é aqui.
Eu, que escrevo constantemente sobre términos, fins, finalizações e variações do mesmo tema, hoje me desafiei a trazer os começos pros holofotes. São Paulo é meu novo começo, gestado por quase vinte e cinco anos. Uma gravidez que desejei, planejei e pari, com paciência e cuidado, de muitas mãos e rostos. Esse lugar onde olhei no espelho mais uma vez, onde tomei decisões caminhando sem o sol sobre a pele, onde ouvi muito barulho e, ainda assim, aquietei do lado de dentro. Sei que as mudanças explodiram em meu rosto, quem me viu, já me disse: bonito te ver fazendo seu caminho. Meu caminho. Meu caminho. São Paulo é meu gatilho mais antigo, meu disparador de maluquices doces e possíveis, minha segunda casa que gruda na pele e faz uma nova capa que me dá força, coragem e um tamanho quase infinito de pernas pra gastar.
É quase ano novo, mas aqui já começou faz um tempinho.
*gatilho de escrita é uma expressão roubada da aula de Tayná Saez, que fiz ontem a noite e recomendo a todo mundo.
Deixo aqui uma indicação e um pedido:
fiz um fio no Twitter com todos os livros que li em 2022, com link para compra e tudo. Quem tiver em dúvida do que presentear, livro é a opção mais bonita <3 vai por mim.
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Um abraço e nos vemos na próxima edição,
paulamaria.
Amei o ''gatilho de escrita'' e a ligação de acolhimento no processo de construção de textos. Compartilhar experiências por texto é um trem novo pra mim, mas que cada vez vejo mais sentido, e esse texto trouxe ainda mais luz nisso... Postei umas fotos do final do mestrado e parecia que eu precisava compartilhar como foi o caminho pela legenda. É importante pra mim, logo pode ser pra outra pessoa também (assim como seus textos sempre me cutucam um pouquinho). Feliz natal more e um ótimo fim de ano <3
Que delícia esse texto que é tantos dentro de um só. E essa declaração de amor a São Paulo... <3