“A Paula Maria (...) aquela, que tem uma coluna na revista* X”. Durante muito tempo, eu sonhava em ouvir essa frase. E também morria de medo da possibilidade de ouvir de verdade um dia. Calma! Ainda não aconteceu. Trazer esse sonho aqui é dividir mais um pouco dos meus #processos. Começo esse texto em tom confessional, ‘escrevendo’ em voz alta, afirmando que ser escritora talvez seja o meu grande sonho. Repare o talvez no meio da frase, é o jeito de ser menos assustador assumir isso. Sabe aquele sonho de criança que você está pelada e mais ninguém está? É mais ou menos isso, com um detalhe: eu nunca senti vergonha nesses sonhos. O que isso quer dizer?
É domingo à noite e eu não sei exatamente o porquê estou pensando nisso. Talvez porque seja domingo e aquele sunday blues que chega devagarinho à tarde tenha já se instalado com muito aconchego a essas horas. Também tem o fato de que fui procurar informações sobre um clube de leitura e descobri que a organizadora é colunista, escritora e literata. Quando observo essas pessoas, parte de mim se projeta para fora do corpo, aponta uns dedinhos na minha cara e diz: mas num é isso que você quer ser, pm?. Eu respondo entre lábios que sim sim sim, quero muito ser assim, num precisa gritar! E do lado de dentro, sussurro baixinho pra mim mesma - mas só quando eu crescer.
E não adianta dizer que Cora Coralina ou JK Rowling (canceladíssima, eu sei) iniciaram suas ‘carreiras’ de escritoras muito depois de já serem grandinhas. Saber disso conforta pra caramba, mesmo assim fico me perguntando se chegou esse momento na minha vida. Será que cresci? Será que o tanto que cresci me permite dizer algo para alguém? Lembro agora da newsletter da Barbara, queria ser grande, mas desisti. No fim das contas, é sobre isso (desculpe, Aline, não resisti!).
Claro que parte de mim se sente adultíssima e mui consciente da idade que acumula, mas outra parte sente que crescer é um processo doloroso e parece não ter um lugar para de chegar. Por mais que eu enfie a fuça nos livros em busca de respostas, volta e meia me deparo com coisas assim:
Despreparada para a honra de viver,
mal posso manter o ritmo que a peça impõe.
Improviso embora me repugne a improvisação.
Tropeço a cada passo no desconhecido das coisas.
Meu jeito de ser cheira a província.
Meus instintos são amadorismo.
O pavor do palco, me explicando, é tanto mais humilhante.
As circunstâncias atenuantes me parecem cruéis.
(trecho de a vida a hora, poesia de wislawa szymborska)
Ler esse trecho da Wislawa abre uma brecha no meu medo. Às vezes o único jeito de conseguir fazer certas coisas é fazendo, ainda que no improviso, amadorismo, rascunho ou ensaio. Não é porque os recursos parecem poucos que a obra não terá sua forma, o desejo de criar precisa de canalidade para vazão, então, escrever se faz escrevendo. Eu sei, é óbvio, redundante e parece até bobo, contudo repetir - para si e para os outros - também é abrir caminhos, como esse meu encontro com Wislawa e seus fantasminhas nada camaradas. “Repetir repetir - até ficar diferente./ Repetir é um dom de estilo”, sr. Manoel de Barros que disse.
Virginia Woolf chama de “um teto todo seu” uma das condições para que uma mulher dê vazão para sua criação. Importante ressaltar que antes do teto, ela fala sobre dinheiro, é papo pra outro dia mas ó, dinheiro é importante sim. Virginia está falando de mulheres escritoras de ficção e acredito que possa expandir essas condições sendo primordiais para criações autorais. No curso “mulheres artistas na história da arte”, viajei pelo tempo com a profa. Isabel e tive a certeza que ter uma casa se relaciona diretamente com o desenvolvimento de autonomia e confiança. E na expansão da possibilidade de escrever, colar, recortar, pintar e bordar com todo meu coração.
Termino sem vontade de terminar o texto, uma vez que começo a escrever, abro uma porteira e a boiada quer correr solta pelo pasto. Aprendi com Conceição Evaristo que escrever é uma maneira de sangrar. Sangrar se tornou um acontecimento todos os meses há mais de vinte anos e eu nunca me acostumei. Acho que escrever também não é costume, mas acaba por ser hábito que cultivo por necessidade. Talvez eu já seja escritora… Mas fica aí sempre o talvez me acompanhando.
*na revisão percebi que falei revista e hoje isso talvez não faça mais sentido, quem compra revista? Entendi que é minha memória afetiva, meu jeito de formatar esse sonho. Adapte pro que fizer sentido pra você, pode ser site, portal, página...
memorabilia é minha nova proposta de trabalho. quero estar junto com um grupo, acompanhando e auxiliando no processo de descobrir e construir a si. informações aqui.
gente que escreve de outra forma: a querida roberta arcoverde conta seu percurso na programação.
fotografias que dão gosto, simetrias da lin cheng.
a escritora que não sou já escreveu em site grande e gringo, faz um tempo.
Um abraço e nos vemos na próxima edição,
paulamaria.